Foi apresentada no teatro de S.Carlos uma nova encenação do OURO DO RENO, assinada por Graham Vick.
As releituras modernas de uma ópera são sempre estimulantes e necessárias.Mau é deixar morrer a ópera enquanto verdadeiro espectáculo total que é.
Richard Wagner, ao conceber o TODO do que desejava apresentar ao seu público e à posteridade( foi um artista altamente consciente do seu valor e da inovação que as suas propostas musicais, libretísticas e cénicas continham) indicava claramente o que desejava que fosse acontecendo no palco.O seu olhar também era de encenador, acrescentando essa qualidade às outras, de compositor e de escritor.
Lendo o libreto apercebemo-nos do cuidado com que cada personagem é tratada, sublinhando, seja pela acção, seja pela descrição, a carga simbólica que transporta.
O OURO DO RENO é, deste ponto de vista, perfeito. Resume num condensado magnífico os grandes temas que serão desenvolvidos a partir da glorificação da Vida e do Amor em contraste com a atracção daimónica do Poder, que o anel e o ouro representam.
Se pensarmos que das leituras preferidas de Wagner faziam parte GOETHE, com o seu FAUSTO (que também ele cedeu à tentação do daimon MEFISTO, embora depois venha a ser salvo pelo amor de Margarida e para glória do ETERNO FEMININO); e os Contos dos Irmãos GRIMM, bem como as recolhas que fizeram das Lendas e Sagas germânicas, perceberemos melhor que nas suas escolhas pode haver algum sincretismo simbólico ou iniciático, mas não haverá certamente arbitrariedade ou ignorância.
Recordo que Wagner, como Goethe e Mozart, recebeu também iniciação maçónica.
G.Bernard Shaw escreveu, no BREVIÁRIO WAGNERIANO ( 1908 ) que a música do compositor era uma música da Natureza, do Rio, do Arco-Íris, do Fogo, do Bosque...
A música dos elementos e a sua simbólica profunda estão ostensivamente presentes n'O OURO DO RENO.
Em 1851 Wagner escrevia aos amigos: "os meus estudos levaram-me através da Idade-Média até aos antigos Mitos Germânicos fundadores...Aí descobri o Homem Verdadeiro ( der wahre Mensch )".
A localização das cenas que vão ter lugar é claramente apontada,definindo, por si, a presença dos quatro elementos: água, ar, terra e novamente o ar-tudo percorrido pelo fogo, pelo ouro,pelo poder do anel.
O prólogo e primeira cena têm lugar no fundo das águas do Reno; a segunda cena no alto das montanhas; a terceira na gruta dos nibelungos; a quarta de novo no alto das montanhas onde o castelo dos deuses foi erguido.
É na terceira cena que a presença e a força, transformadora ou destruidora, do fogo se fazem sentir.O anel é uma condensação desse poder perverso que se obtém abdicando do mais sagrado valor, do amor e da vida. É o amor de Freia, deusa da natureza verdejante, que concede vida eterna aos deuses.
Os intervenientes no drama são deuses: Wotan, Donner, Froh e Loge.
Gigantes: Fasolt e Fafner.
Nibelungos (gnomos) : Alberich e Mime.
Deusas: Fricka (mulher de Wotan), Freia, Erda.
Filhas do Reno: Woglinde, Wellgunde, Flosshilde.
E nibelungos vários.
A Wotan interessa o castelo, não se apercebe logo do seu erro, a Fricka a perda de Freia e com ela a eterna juventude,desenhando-se a diferença entre o que são as ambições diferntes do homem e da mulher: a força do poder, por um lado, a força da vida por outro.
Erda, a mãe-terra, virá em momento oportuno recordar aos deuses como sem a força vital só a decadencia os espera; e essa força reside na natureza.
A ária de Erda, na quarta cena, é carregada de mistério e ameaças que no seguimento da Tetralogia virão a concretizar-se.
Pela boca da mãe-terra fala um saber profundo, relativo à essencia da natureza do homem e do mundo que o rodeia (os deuses serão o "colectivo" que o indivíduo projecta.
Tuesday, May 30, 2006
Friday, May 26, 2006
Antonio Jose da Silva,Os Encantos de Medeia
António José da Silva, conhecido como O JUDEU, nasceu no Rio de Janeiro em 1705, numa família de judeus perseguidos pela Inquisição.
Era uma criança de oito anos quando veio para Lisboa, porque a sua mãe tinha de ser julgada na corte.Nesse momento acabou por ser absolvida, e ele foi completando a sua formação escolar sem mais problemas.Formou-se em Coimbra, em Cânones.Mas em 1726 o Santo Ofício interrompeu os seus estudos e prendeu mãe e filho, libertando-os depois de uma abjuração pública da sua fé.
Em 1733 sobe à cena A VIDA DO GRANDE D.QUIXOTE DE LA MANCHA E DO GORDO SANCHO PANÇA, ópera a que se sucederão várias outras, inspiradas nos mitos clássicos, como é o caso de OS ENCANTOS DE MEDEIA.
António José da Silva casou com uma prima, também judia, e em 1737, ano da estreia de AS GUERRAS DO ALECRIM E DA MANGERONA, é preso de novo, com a mulher e a filha, por denúncia de uma escrava de côr; sai da Inquisição dois anos depois, para ser degolado e queimado em auto-da-fé por judaísmo " convicto, negativo e relapso".A mulher e a filha, libertadas, fogem para a Holanda, destino generoso de todos os que conseguiam escapar das garras da Inquisição.
Entre 1734 e 1738 foram representadas a ESOPAIDA, os ENCANTOS DE MEDEIA, ANFITRIÃO OU JÚPITER E ALCMENA, LABIRINTO DE CRETA, as VARIEDADES DE PROTEU, e várias outras, algumas talvez só atribuições.
Claude-Henri Frèches ocupa-se do assunto das atribuições, e muito haveria ainda que estudar, em relação com o nosso infeliz autor.
Recordo que o seu é um teatro de marionettes, algo que também se torna muito actual e interessante, para o estudo desta arte em Portugal.
A primeira edição das Obras é de 1744, a segunda de 1747.
Bernardo Santareno inspirou-se na sua vida para a peça O JUDEU.
Era uma criança de oito anos quando veio para Lisboa, porque a sua mãe tinha de ser julgada na corte.Nesse momento acabou por ser absolvida, e ele foi completando a sua formação escolar sem mais problemas.Formou-se em Coimbra, em Cânones.Mas em 1726 o Santo Ofício interrompeu os seus estudos e prendeu mãe e filho, libertando-os depois de uma abjuração pública da sua fé.
Em 1733 sobe à cena A VIDA DO GRANDE D.QUIXOTE DE LA MANCHA E DO GORDO SANCHO PANÇA, ópera a que se sucederão várias outras, inspiradas nos mitos clássicos, como é o caso de OS ENCANTOS DE MEDEIA.
António José da Silva casou com uma prima, também judia, e em 1737, ano da estreia de AS GUERRAS DO ALECRIM E DA MANGERONA, é preso de novo, com a mulher e a filha, por denúncia de uma escrava de côr; sai da Inquisição dois anos depois, para ser degolado e queimado em auto-da-fé por judaísmo " convicto, negativo e relapso".A mulher e a filha, libertadas, fogem para a Holanda, destino generoso de todos os que conseguiam escapar das garras da Inquisição.
Entre 1734 e 1738 foram representadas a ESOPAIDA, os ENCANTOS DE MEDEIA, ANFITRIÃO OU JÚPITER E ALCMENA, LABIRINTO DE CRETA, as VARIEDADES DE PROTEU, e várias outras, algumas talvez só atribuições.
Claude-Henri Frèches ocupa-se do assunto das atribuições, e muito haveria ainda que estudar, em relação com o nosso infeliz autor.
Recordo que o seu é um teatro de marionettes, algo que também se torna muito actual e interessante, para o estudo desta arte em Portugal.
A primeira edição das Obras é de 1744, a segunda de 1747.
Bernardo Santareno inspirou-se na sua vida para a peça O JUDEU.
Salomon Trismosin, La Toison d'Or
LA TOISON d'OR é a versão francesa, publicada em 1612, do Tratado alquímico SPLENDOR SOLIS, cuja primeira edição alemã foi impressa em Rorschach em 1598 com o título de AUREUM VELLUS.
Nesta edição,dirigida por René Alleau, encontramos pela primeira vez a tradução literal do texto alemão, o texto da edição francesa, e os comentários por Bernard Husson, que escreve também o prefácio. Podemos ler que terá sido Trismosin a iniciar Paracelso na arte da alquimia.
No fim do livro Alleau evoca o meio artístico de Nuremberga, a propósito das gravuras da edição alemã,recordando o leitor de que ali o Mestre foi Albrecht Durer. Há muito de ciência simbólica e alquímica a estudar nas suas obras.
Maier, EMBLEMA XLIX
Podia ser Jasão, com os companheiros, segurando o Velo do carneiro.Mas representa-se Orion.
A legenda reza:" O filho dos filósofos tem três pais, como Orion".
Trata-se de uma alusão aos três princípios, enxofre, mercúrio e sal; nos tratados alquímicos as alusões dividem-se entre as que se referem aos princípios, sempre presentes, ainda que nem sempre citados, e os quatro elementos, terra, fogo, ar e água, igualmente sempre presentes mesmo que citados ou omitidos parcialmente.
O comentário da estrofe é como segue:
"A fábula ensina-nos que Hermes, Vulcano, Phebus
numa pele de boi deitaram a sua semente,
e que o grande Orion teve em simultâneo três pais.
De três pais nasce igualmente o filho da Sabedoria:
o primeiro é o Sol, e Vulcano o segundo;
O homem hábil na sua arte é o terceiro pai."
O mito é o de Orion, mas no comentário que acompanha a gravura, como observa Faivre, Maier dá a entender que se refere a dois mitos ( ao de Jasão também ) e não apenas àquele; no comentário à gravura XLIV designa Jasão como uma das figuras mitológicas que representam a alquimia, tal como Hércules, Ulisses, Teseu,Pirithous.
A lição é a do Homem Sábio, que pela sua arte ultrapassa as dificuldades e atinge os seus objectivos : esse é o verdadeiro Pai da Obra: " ..Para que nasça nele um poder mais forte mil vezes do que o do sol, o pai entrega-o a Vulcano e ao artista ao mesmo tempo, para que cultivem a sua natureza generosa e que receba deles um acréscimo de vigor.Foi assim que Aquiles, Jasão e Hércules foram confiados a Chiron, com a mesma intenção de os instruir" (Atalanta Fugiens, DISCURSO XLIX).
No discurso XLIV é então esclarecido o nome, múltiplo, do Artista:
" O artista é Hércules, Ulisses, Jasão, Teseu, Pirithous.Inúmeros são os trabalhos e perigos de que estes artistas esgotaram a taça.Vede os trabalhos de Hércules, as navegações errantes de Ulisses, os perigos de Jasão, as aventuras de Teseu...Há aqui um volume considerável de matéria de ensino..." ( Atalanta Fugiens, trad.E.Perrot, ed.Dervy,Paris,1969 )
Antoine Faivre
A recente apresentação da MEDEIA de Eurípides, na versão de Sophia de Mello Breyner, fez-me ir buscar às estantes o estudo de Antoine Faivre TOISON D'OR ET ALCHIMIE ( ed.Archè, Milano, 1990 ).
A meu lado estava uma jovem, que perguntava ao companheiro: o que é que quer dizer velo de ouro? Não resisti e expliquei um pouco,enquanto o pano subia.
A jovem parecia ter idade para ser universitária: mais uma, representando a geração que nada sabe, e se não perguntar nada virá a saber.Ainda bem que perguntou.
No belíssimo estudo de Antoine Faivre, dedicado a Mestre Lima de Freitas, um amigo de sempre e um grande hermetista, como ele, o autor trata, no conjunto, todas as interpretações alquímicas doVELO de OURO. Parte dos primeiros relatos bizantinos, segue com os textos que estabelecem a ligação da simbólica da GRANDE OBRA àOrdem de Cavalaria fundada por Filipe o Bom, continua demonstrando o interesse do RENASCIMENTO pela mitologia e como isso favoreceu as leituras herméticas do mito.
Finalmente, no século XVII com Micahel Maier, que já aqui citámos muitas vezes, e toda uma série de inspiração ROSACRUZ desenvolve-se uma verdadeira hermenêutica da história de Jasão e do velo de ouro.
Na Alemanha o estudos adquirem dimensão teosófica, com Hermann FICTULD, enquanto em França com DOM PERNETY a dimensão permanece mais alquímica ou seja, "operativa". ( Veja-se A.J.Pernety, FABLES EGYPTIENNES et GRECQUES, 2 vols.reed. La Table d'Émeraude,1982 ).
A investigação de Faivre termina com o que ele define como "cabala fonética" de dois adeptos do século XX, Fulcanelli e Eugène Canseliet.Um antologia de textos e uma nota consagrada à presença do Velo de Ouro nos ritos maçónicos completam a obra.
Tuesday, May 23, 2006
Alquimia e Misticismo
" Todos os místicos falam a mesma língua,pois vêm do mesmo país", escreve Evelyn Underhill.Pois a língua dos alquimistas, e o país de onde eles vêm é este mesmo, dos místicos. E a definição mais adequada de alquimia identifica-se com a definição geral de misticismo, e com a definição especial de misticismo secular,enquanto forma "marginal", "laica", "secularizada" da experiencia mística, por não se integrar em nenhum contexto tradicional sistematizado, antes mantendo-se como forma de leitura ou vivência aberta,heterodoxa.
O objectivo da alquimia era a produção da Pedra Filosofal, ou do Elixir de Vida, ou de alguma outra variante filosófica dos mesmos, com múltiplos outros nomes.Mas a procura da Pedra é o equivalente da procura da perfeição,do conhecimento e identificação com um absoluto imanente, no aqui e agora da vida, se tal for possível.
Esta procura, como também Underhill observa,é característica comum a místicos e alquimistas, pertencendo aqueles, neste caso ao modelo que ela define como do grupo C., e cito:"Aqueles que têm consciência do divino como Vida Transcendente Imanente no mundo e no eu, e de uma estranha semente espiritual dentro de si, através de cujo desenvolvimento o homem,elevando-se a níveis superiores de carácter e consciência atinge o seu objectivo..."
Nas INSTRUÇÕES ESPIRITUAIS, de 1298, Meister ECKHART afirma que um espírito "renunciado" pode tudo.
E Santo Alberto Magno, que foi considerado místico, cientista e alquimista, escreve, no TRATADO DE ALQUIMIA: "Deus pode ser encontrado em toda a parte."
Pela alquimia, como pela experiência mística,se procura obter a perfeição, a completude neste mundo, nesta vida que é dada.É aqui e agora que se procura a realização, por esforço consciente e paciente da fé e da vontade.
Talvez não se possa considerar o alquimista um "filho de Deus" legítimo, no sentido em que ECKHART usou a palavra.Mas de Deus é sem dúvida um filho ilegítimo e como tal merece ser estudado.
Ler mais: in Y.K.Centeno, Literatura e Alquimia,Presença,1987 ; Evelyn Underhill,Mysticism, Londres; Herbert Silberer,Probleme der Mystik und ihrer Symbolik, 1961.
A ilustração é do belíssimo fac-simile do LIBRO DE LA FELICIDAD, nas ed.MOLEIRO, mandado traduzir do árabe por ordem do sultão Murad III ( 1574-1595 ).O original pertence à B.N.de França, datado de 1582.
Sunday, May 21, 2006
Museu Alquimico na Taschen
Em 1987 publiquei na ed.Presença um conjunto de ensaios com o título de LITERATURA E ALQUIMIA.
Entendi que seria útil a um leitor menos preparado explicar o que entendia por doutrina alquímica, nos moldes em que tinha vindo a estudá-la desde os tempo do Fausto e do Conto da Serpente Verde de Goethe.
Muito do que se pode ler nos tratados se torna mais claro por meio das gravuras e ilustrações que frequentemente os acompanham. As imagens são elas próprias continente e conteúdo de mistério ou de segredo alquímico.
O primeiro dos meus ensaios foi assim dedicadoà ALQUIMIA E MISTICISMO; procurei, numa linguagem simples, descomplicar o complicado, ao contrário do que faziam os antigos adeptos e deixar em referencia a boa bibliografia dos estudiosos da matéria.
É excelente que uma editora como a Taschen ofereça agora ao público um espécie de antologia de gravuras comentadas, escolhidas entre as mais célebres, e deixando também a indicação dos grandes especialista, pioneiros, como Klossowski de Rola e van Lennep. As edições dos seus estudos estão ainda disponíveis.
Wednesday, May 17, 2006
Robert Wilson, stage director
Thursday, May 11, 2006
Goethe, o Amor
Quando jovem, Goethe escrevera a Lavater, amigo e confidente, que nada o impediria de ser verdadeiro, " bom e mau como a natureza..."
A natureza, matriz geradora e unificadora de todos os conflitos, sendo essa percepção subtil algo que não abandona o criador desde as suas primeiras obras até às da maturidade, já em Weimar.
Numa carta de 1784 a Charlotte von Stein, desenha o primeiro esboço do que serão os GEHEIMNISSE, os MISTÉRIOS, poema rosacruz de tão grande simbolismo como o MAERCHEN, o CONTO DA SERPENTE VERDE.
Aí exprime o sentimento complexo da relação com a Terra-Mãe, a harmonia que é preciso interiorizar para que a visão do mundo e de si mesmo se modifique e amplie, sendo esse e só esse o objectivo da Obra.
Noutra carta, de 1786, conta à amiga que está a ler o CHYMISCHE HOCHZEIT....de Johann Valentin Andreae, escolhendo desse texto fundador dos rosacruz os versos relativos ao AMOR:
Donde nascemos?
Do amor.
Como nos perderíamos?
Sem amor.
O que nos ajuda a vencer?
O amor.
Pode encontrar-se o amor?
Pelo amor.
O que enxuga as lágrimas?
O amor.
O que deve unir-nos sempre?
O amor.
Goethe modificou o poema, fazendo dele um outro, já seu. Em Valentin Andreae a atracção do amor é a do amor UNIVERSAL, da grande cadeia do Ser, estudada por Arthur Lovejoy em THE GREAT CHAIN OF BEING (1960).
E recordo agora a exclamação com que termina o Conto de que estivemos falando noutros posts:
" Três reinam sobre a terra:a Sabedoria, a Luz e a Força."
E adiante, para exprimir o quarto elemento, sem o qual nada se perfaz ou completa:
" O amor não reina mas forma, e isso é mais."
DIE LIEBE HERRSCHT NICHT, ABER SIE BILDET, UND DAS IST MEHR.
Aqui o termo "bilden" pode ter mais significados para além deste, pode ser educar no sentido que se dá ao BILDUNGSROMAN, pode ser ainda construir, uma sociedade, uma civilização, como a que a ponte em que a serpente se transforma permitirá sem dúvida.
Mas tratar-se-á sempre da formação do espírito e da construção de um mundo melhor.Uma utopia eterna.
A fotografia é do Jardim de Goethe em Weimar, com a PEDRA DA BOA SORTE, ou da felicidade, a meio do caminho por onde gostava de passear. Note-se que a pedra é um cubo ( A Pedra Cúbica de templários e maçons ) com uma esfera ( o Círculo da Perfeição ) pousada nela.
Wednesday, May 10, 2006
Roland GUY
Nesta obra se poderá seguir com grande pormenor toda a aventura da iniciação de Goethe à Maçonaria, desde a primeira carta em que pede para ser recebido.
É uma aventura feita de luz e sombra, como a dos seus heróis, sobretudo Fausto, a quem tudo será perdoado.
Ao seu protector, o Duque de Weimar, escreve Goethe em 1792 :
"...O fenómeno da luz e das cores absorve cada vez mais os meus pensamentos e,deste ponto de vista, mereço completamente a denominação de FILHO DA LUZ...Que os vossos projectos sejam bem sucedidos e não deixeis de me amar,com os meus lados de SOMBRA e os meus lados de LUZ" (in Roland Guy).
Goethe era acusado de não frequentar com assiduidade bastante as reuniões da Loja. Tavez devamos distinguir o seu lado maçon, mais social e talvez menos importante, para a sua Obra, do seu lado de poeta iniciado noutras sabedorias, como a alquímica e a Rosacruz- pois nelas bebeu também a Maçonaria,então mais em moda.
Tales for Transformation
Com este título, traduziu Scott Thompson e editou em 1987, os seguintes textos de Goethe, tornando-os acessíveis a um público mais alargado: Fairy Tale (O Conto da Serpente Verde), The Counselor, The New Melusina, The Good Women, Novelle, The Magic Flute ( a continuação incompleta da Flauta Mágica de Mozart ).
Escreve o autor, na Introdução, " Sparks from the athanor, the Vase of Hermes, flicker in and out of these tales about sel-mastery and transformation ". Esta linguagem já nos é familiar, e não vou demorar-me mais com ela.Saliento antes a importancia que teve o estudo da filosofia hermética no desenvolvimento espiritual do jovem Goethe quando, tendo de regressar doente a casa, já aos 19 anos iniciava uma aprendizagem que não mais cessaria e transparece em tudo o que escreveu.
Uma amiga foi sua conselheira, para não dizer iniciadora: Susana von Klettenberg, por sugestão do médico pietista que tratava então Goethe da sua grave e algo indefinida doença. Seria talvez a nigredo, a melancolia, a "depressão" que precede grandes transformações nas almas mais inquietas.
Goethe lê então todos os tratados que se encontravam disponíveis: Paracelso, Basílio Valentino, neo-platonistas, gnósticos e outros, como Boehme,Cornelius Agrippa,etc. As fontes encontram-se em Dichtung und Wahrheit, ou nas Conversas com Eckermann, seu secretário.
Da bibliografia mais interessante sobre o Conto destaco de Oswald Wirth a trad. francesa publicada em 1993 nas ed. Dervy de Paris.
Sendo maçon, como Goethe, faz uma detalhada análise, passo a passo, do simbolismo iniciático da obra, não descurando nenhuma situação ou personagem.Pretende decifrar aquele segredo que a serpente sussurra ao ouvido do Velho da Lanterna, na minha opinião o verdadeiro PAI da Obra, sugerindo que a palavra oculta fosse HUMANIDADE.
Contudo, tratando-se no caso de uma iniciação dupla, maçónica e alquímica , talvez essa palavra que Goethe não desvendará nunca, seja FRATERNIDADE.
A Irmandade que é a maçonaria, com o seus ideais de sacrifício pela Liberdade e Igualdade de todos os homens, sem distinção de classe, raça ou religião, supõe um dom muito especial, uma capacidade grande de se abrir aos outros, de se sacrificar, como faz a Serpente neste conto mágico.
Wirth termina comentando que "Os símbolos se destinam a fazer pensar. Só à preguiça de espírito agradam os dogmas ou os sistemas claramente fechados".
Sem dúvida que é pelo facto de estarmos perante uma Obra sugestiva e ABERTA que hoje, como então, se é levado a ler e a pensar sobre este Conto cuja liçao simbólica intrigou os amigos de Goethe, como nos intriga a nós.
Outro autor que também se debruçou sobre o pensamento de Goethe, comentando O Conto da Serpente Verde e o ciclo de Os Mistérios foi Rudolf Steiner, numa edição que podemos agora ler em trad. franc. de André Tanner e René Vittoz, de 1970.
Aqui o olhar, não menos interessante, é o de um teósofo, fundador de um movimento "antroposófico" que tem cultores um pouco por todo o mundo, embora o centro esteja sediado na Suiça.
Em 1820 Goethe escrevia a um amigo"Tive de abdicar da minha vida para poder existir" (Ich musste mein Leben aufgeben, um zu sein).
Julgo que é esta a verdadeira lição, o verdadeiro segredo, da identificação de Goethe com a serpente do Conto.Nunca o disse a ninguém, mas transparece destas considerações feitas tantos anos mais tarde.
Monday, May 08, 2006
A.E.Waite
Waite, em THE REAL HISTORY OF THE ROSICRUCIANS,London,1887, inclui, em apêndice, uma Alegoria Rosicruciana: A ROSICRUCIAN ALLEGORY.
Depois de ter desfeito muitos dos equívocos habituais sobre a origem e desenvolvimento na Europa das doutrinas Rosa-Cruz, deixando bem claro que ela se situa no século XVII e não antes, passa de seguida à influencia que o pensamento reformista de Johann Valentin Andreae teve, sobretudo em Michael Maier, um dos mais conhecidos na Alemanha, e Robert Fludd, no que ele definiu como a sua filosofia cósmica, em Inglaterra. Aliás aqui encontraremos um pensador como Thomas Vaughan, irmão do célebre "platonista de Cambridge" Henry Vaughan, fazendo a apologia do movimento Rosa-Cruz e traduzindo para inglês a FAMA FRATERNITATIS...e a CONFESSIO. Vaughan escrevia sob o pseudónimo de EUGENIUS PHILALETHES, sendo autor de um tratado muito reconhecido na época, o INTROITUS APERTUS AD OCCLUSUM REGIS PALATIUM ( A Entrada Aberta no Palácio Fechado do Rei ).
Acreditava que todo o universo seria, como anunciara séculos antes Paracelso, numa profecia, "transmutado e transfigurado pela ciência do artista Elias" fazendo surgir a CIDADE ESPIRITUAL de DEUS, em puro e místico ouro (Waite, p. 308 e segs.)
A anunciada NOVA JERUSALÉM permitiria viver sem a prisão da " moeda "e ambição que despertava no comum dos mortais, sendo causa de muitos erros e sofrimentos nas nações.No centro desta Cidade cresceria ,eterna, a Árvore da Vida, dispensando saúde a toda a humanidade. Esta, em resumo, a utopia de Vaughan.
Nascido em 1612, viajou por muitos paises e escreveu sob inúmeros pseudónimos, o que alimenta o mistério existente à sua volta: Doctor Zheil, Carnobius, e no dicionário de Lenglet du Fresnoy encontramos Thomas Vagan, por erro do francês, como diz com sarcasmo Waite. Mas o seu "Nom de plume" era de facto Eugenius , e não Ireneus Philalethes, como outro francês, corrige ainda Waite, supõe (refere-se aqui a Louis Figuier, ilustre estudioso de alquimia).
Waite indica todas as publicações de Vaughan,desde 1650 até 1678.São numerosas, e de algumas, mais interessantes pelo conteúdo simbólico e alquímico, me ocuparei um dia.
Quanto à Alegoria que referi logo no início deste post, pode ser lida nas pp. 443-4, e descreve um caminhar até ao CENTRO DO MUNDO, onde se encontra uma Montanha que é simultâneamente pequena e grande, macia e dura, longínqua e próxima, escondendo nela todos os tesouros do mundo.
Se estivessemos a ler um trtado de alquimia este seria um caminho para adescoberta da Pedra filosofal, imagem de união de contrários, definida por muitos nomes, como aqui. A inspiração dos textos Rosa-Cruz, como também Waite observou, é puramente de raiz alquímica. Não é acaso citarem, quando vem a propósito, o sábio Paracelso.
Continuando, com a Alegoria :
A montanha está guardada por muitos animais ferozes e aves de rapina, de modo a desencorajar quem a procure.O herói corajoso deve preparar-se pela ORAÇÃO, e não perguntar a ninguém qual o caminho. O guia surgirá por si próprio, no momento certo.
Repare-se que o interdito da PERGUNTA é o próprio da iniciação; recordo o jovem Parzival, mas muitos contos populares vivem de tal interdição.
O GUIA levará o adepto, em sendo MEIA-NOITE, quando tudo fôr escuro e silencioso até à montanha.A única coisa que este deve fazer é rezar a Deus, buscando-o com sinceridade.
Já na montanha assistirá aos seguintes fenómenos naturais, que não o devem assustar:
1.um VENTO muito forte;animais selvagens como leões, dragões e outros tão terríveis como esses.
2.um tremor de TERRA que arrasará o que o vento tiver deixado em pé.
3.um INCÊNDIO ( FOGO ) que consumirá todo o lixo restante, pondo a descoberto o TESOURO , por enquanto invisível.
Passadas todas estas coisas, ao nascer do dia, virá uma grande CALMA, e poder-se á ver a ESTRELA DA MANHÃ, dissipando toda a escuridão.
" Então CONCEBERÁS um grande tesouro", diz o narrador. Trata-se de uma "Tintura" com a qual o mundo, se serviu Deus e fôr merecedor de um tal dom, poderá ser "tingido" e transformado "no ouro mais puro".
Assim termina uma Alegoria fundadora do imaginário Rosa-Cruz, permitindo ver como também nesta tradição o trabalho dos quatro elementos, a humildade e a oração, tal como no MUTUS LIBER, são garantia, não de sucesso, mas de perfeição ESPIRITUAL.
Thursday, May 04, 2006
O OLHAR DE OUTROS : Anselm Kiefer
Este é um óleo de 1973, intitulado Parsifal, referindo-se à obra de Wagner, pois este alterou, como conta nos diários, o título de Eschenbach, que era Parzival; a razão que deu foi a de querer salientar diferenças de concepção entre uma e outra obra, considerando a sua mais mística do que a medieval, e deixando uma alusão aos "parsi", persas, e aos "fol", "fous", loucos. Não são razões muito claras, mas aceitamo-las, não há outro remédio.
Muito interessante, neste óleo contemporâneo, é o modo como o espaço é tratado : escuro, aprofundado até ao ponto onde um discreto brilho de coroa feito das palavras redentoras, "o mais santo milagre"e" salvação ao salvador" ( Hochsten Heiles Wunder! Erlosung dem Erloser ! ) paira sobre uma taça larga ( não um vaso ) pousada sobre uma mesa quadrada, como que aludindo ao círculo inscrito no quadrado das gravuras alquímicas mais conhecidas.O despojamento é total, não há maneirismos, nesta exposição, também ela secreta, do Graal.
O percurso de Kiefer é feito de uma paixão pela história alemã e seus mitos que ele justifica com a data do seu nascimento: 1945. A Alemanha precisava, de facto, de ser redimida de um presente terrível, o que só poderia ser feito através da dignidade e da nobreza do passado longínquo.
O Parsifal surge numa altura em que se desentende de Joseph Beuys, com quem tinha estudado até aí. Na opinião de alguns dos seus críticos, mais do que interpretar a obra de Wagner, interessou-lhe o fenómeno da utilização das figuras, míticas ou históricas.
A luz discreta do Graal atravessava o tempo, transformava e desse modo "redimia"o espaço, mesmo o mais negro e mais contaminado: " zum Raum wird hier die Zeit" ( aqui o tempo transforma-se em espaço ).
O Olhar de outros : Magritte
Magritte, de novo, ironizando com o mito e o símbolo de que alguns dos seus companheiros tanto gostavam.
Mas também para ironizar é preciso conhecer, e com profundidade.
Como sempre, o título é inesperado, e subtil: LA FORCE DES CHOSES, óleo de 1958.
Espirituais e espirituosos, o pão (a deliciosa baguette francesa) e a taça com água (supõe-se que benta...) elevam-se no ar.
À fecunda imaginação criadora de um artista tudo será perdoado !
o Calice
Vem isto a propósito do lançamento do livro de Mestre LIMA DE FREITAS, PORTO DO GRAAL ( ed. Ésquilo, 2006 ), de que vemos
como ilustração o quadro que pintou da donzela que transportava o vaso sagrado.
Conhecedor, como poucos, da simbologia profunda desta lenda, colocou sabiamente na taça (emblema do feminino) o dragão cuja força permitia dar a entender que mistério ali se processava: o de um casamento mágico, ritual, do feminino e do masculino, do par de opostos, que ao longo dos tempos tinha sofrido muitas transformações e passado por multiplas e confusas designações.
Das obras que melhor estudam estes rituais destaco as de Jessie l. Weston, FROM RITUAL TO ROMANCE (1920 ) e THE QUEST OF THE HOLY GRAIL ( 1913 ) .
A Lima de Fretas não escapa a lição do mito, como diria GILBERT DURAND, seu amigo e amigo de Portugal e sua vocação graálica e mística:
"Irrompendo do inconsciente dos povos, os mitos são as 'notícias' que nos chegam dos arquétipos inexprimíveis".
(Lima de Freitas)
A sua princesa do Graal é sem dúvida a personificação do feminino, da natureza-mãe, que dispensará vida e bem estar ao cavaleiro a quem entregará a taça, que no fundo é ela mesma.
E é ainda, pois no mito tais interpretações são possíveis, a Anima de que o herói adquire consciencia e desse modo se redime, bem como à terra "gasta", morrendo à sua volta.
Com ela a terra voltará a verdejar, daí a importancia do dragão que a taça contém. No esboço do cenário para a ópera de Wagner também estava presente, embora enquadrando o espaço em torno do altar, sem fazer parte dele.
Encontro, no espírito místico de Fantin-Latour (Preludio de Lohengrin, óleo de 1892), ou ainda de Dante Gabriel Rossetti (A Virgem do Santo Graal, 1857 ) uma fonte de inspiração para Lima de Freitas- o que só mostra a continuidade e permanencia do mito ao longo dos tempos.
Mas cada qual com sua marca. A Rossetti falta a vibração da natureza, em todo o seu esplendor. A princesa do nosso Mestre ergue em veneração uma taça que é um símbolo de algo maior do que ela, um casamento do ceú e da terra, como se via outrora nos mais antigos papiros do Egipto.
O templo do Graal
De C. Jank ( 1833-1888 ) temos um esboço feito para o primeiro acto do Parsifal de Wagner, em 1879.
O espaço solene está decorado com um brilho orientalista, que continuará a marcar muitas das propostas seguintes dos artistas que se ocuparam desta obra. As colunas que conduzem ao altar evocam as de uma mesquita, tal como seria imaginada por uma sensibilidade ocidental.O que Jank nesta caso procurava era a reprodução de uma arquitectura sacra, que correspondesse plenamente à ideia de Wagner na ópera que coroava o seu pensamento religioso, a sua vida e obra.
Também o esboço para o terceiro acto respeita este mesmo ambiente, tornado mais solene pelo facto de no alto da escadaria ter sido colocado o féretro do rei Titurel. Mas Wagner comentaria a este propósito que achou demasiado pomposa essa proposta e recuperaram uma ideia mais simples, deixando essa para uma futura ópera que viesse a ser feita.
Os cálices não escaparam, como seria de esperar, a este gosto excessivo, fazendo do Graal um vaso precioso à vista, mais do que um símbolo de verdadeira espiritualidade e redenção. Era um sinal dos tempos.
Wednesday, May 03, 2006
Pedras III
Jung procurou mostrar que a Pedra, na alquimia, significava o homem interior, espiritual.Uma espécie de Deus escondido na natureza, "em analogia com o Deus que,em Cristo, descia à terra num corpo de homem submetido ao sofrimento" (Emma Jung...pp.123) .
As qualidades do Graal, "tesouro difícil de atingir", permitem que o consideremos como símbolo do EU SUPERIOR, o EM-SI na definição de Jung.
Deste modo é possível considerar o Graal como uma imagem da "função transcendente", segundo a terminologia junguiana. A função da alma que, pela produção de símbolos unificados "provoca a síntese do consciente e do inconsciente, permitindo a passagem à consciencia da totalidade interior, o Em-Si.
A Pedra,(ou o vaso) indica a necessidade de realisar o HOMEM TOTAL.
E concluo com Emma Jung:
" Se a alquimia dá o lugar central à Pedra, enquanto os poetas da Idade-Média celebram o Vaso, é porque os alquimistas, como cientistas da natureza, acentuam o conteúdo, ou seja o espírito divino escondido na matéria, enquanto os poetas dão primazia à emoção e à forma que o vaso como símbolo feminino traduz melhor."( pp.125)
Mais leituras: JEAN MARX, LA LÉGENDE ARTHURIENNE et LE GRAAL, GENÈVE, 1981
Pedras II
Emma Jung e Marie-Louise von Franz ocupam-se da LENDA DO GRAAL (LA LÉGENDE DU GRAAL, trad. Albin Michel, 1988) de um ponto de vista psicológico e simbólico, na linha dos trabalhos de Jung.
Percorrem no entanto, em apontamento bibliográfico cuidadoso, todos os tratados alquímicos em que a Pedra Filosofal seja referida e descrita com algum pormenor, para depois se entender a sua função nas lendas tradicionais do Graal: de Vaso onde foi recohido o sangue de Cristo , a rocha onde Merlin, encantado por sua irmã fica retido e perde os seus poderes, até às variantes das visões descritas po Eschenbach e antes dele Chrétien de Troyes,no séc. XIII.
No cap. VII da sua obra, "Le Graal et la Pierre", Emma Jung refere o que o seu marido tinha dito àcerca do vaso na alquimia, a saber que era " um símbolo autêntico portador de uma ideia mística e oferecendo um campo muito vasto de conexões de sentido ".
Cita depois uma alquimista muito célebre da Antiguidade, Maria a Profetiza : " Todo o segredo consiste no conhecimento do vaso hermético". Descrevem-no como matriz, útero,de onde nascerá o philius philosoporum, sendo ao mesmo tempo "misteriosamente identificado ao seu conteúdo"; outras vezes designam-no por aqua permanens, água perpétua, ou ainda por jardim filosófico onde "nasce o nosso sol".
O vaso é ainda, e por fim, o LAPIS PHILOSOPHORUM, a Pedra filosofal.Algo que contém e é contido, simultâneamente, algo que tendo muitos ou todos os nomes, não tem nehum, tornando-se materia espiritual, transcendente, por isso mesmo.
A equivalencia entre o vaso e a Pedra surge de modo especial na lenda contada por Eschenbach, no seu PARSIVAL:
"Num pano de seda verde
ela trazia a perfeição do paraíso,
ao mesmo tempo raiz e ramo.
Era uma coisa chamada o Graal
ultrapassando toda a perfeição terrestre."
E ainda:
" Eles (os cavaleiros do Graal) vivem por meio de uma pedra
da mais bela qualidade.
Se não a conheceis,
direi aqui o seu nome.
Lapsit exillis ( sic ) é o seu nome."
Sobre esta designação muito se tem discutido. Alguns estudiosos entendem que se deve traduzir por lapis ex coelis, pedra vinda do céu, como se fosse um meteorito, pois na Antiguidade, diz Emma Jung, julgava-se que os meteoritos eram pedras "com alma".
Kyot terá sido o transmissor desta lenda a Eschenbach, marcando-se por aqui uma origem árabe, distinta da de Chrétien, que seria provençal.O místico alquimista Thabit ben Qorah, que viveu em Bagdad de 826 a 901, pode ter sido o Flégétanis que Kyot cita como fonte segura desta lenda. Na literatura latina surge com o nome de Thebed. Mas há muitas outras suposições, e o próprio Eschenbach a dada altura conta que os escritos de Flégétanis tinham sido encontrados em Toledo, o que faz todo o sentido, se nos lembrarmos de que em torno de Afonso o Sábio se desenvolveu um mundo de estudiosos e tradutores cujas obras circularam pela Península e por toda a Europa culta.
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Pedras I
Dom Pernety:" PIERRE: se dit, en termes de Science Hermétique, de tout ce qui est fixe , et na s'évapore point au feu." Fala-se de Pedra, na ciência hermética, àcerca de tudo o que é fixo e não se evapora ao fogo.
Representa-se por esta imagem da Pedra algo, seja objecto, seja estado de completude espiritual, ou de mísitica união com a divindade, que já não sofrerá alteração.
FABRICIUS, na escolha que faz de imagens alquímicas a comentar, não esquece as Pedras da Atalanta Fugiens. Nesta imagem vemos três pedras voando no AR, anunciando uma "multiplicação" universal da Obra. E vemos ainda, na TERRA, outras cinco, apontando para a perfeição da quinta-essencia.Os filósofos contemplam a maravilha que um tal processo representa. Aos que se interrogam sobre a proveniencia da Pedra Filosofal e o poder que detém, responde o adepto :
Em primeiro lugar foi Adão que levou consigo a Pedra, ao sair do Paraíso; daí que hoje ela exista em mim, nos outros, em todos; pássaros levaram-na pelos ares; também pode ser encontrada na terra, nas montanhas, no ar, na água dos rios; e acrescenta, respondendo a outra pergunta, a de que caminho seguir para a obter: ambos os caminhos podem ser seguidos, cada qual à sua maneira.
Aqui o que se pergunta tem a ver com as duas Vias preconizadas: a seca e a húmida. Ambas servirão um propósito que seja bem definido e cujos preceitos se respeitem.
Contudo o pormenor a que se deve dar atenção é o que define a Pedra como não sendo pedra, mas sim um processo espiritual de iniciação. A Matéria que se transforma tanto pode ser a Humana, o Homem, como o metal que se deseje ver transmutado em Ouro. Mas o OURO é também uma figuração do espiritual.
Na TURBA, já aqui citada, diz-se da Pedra que "participa de todos os regimes, encontra-se em todo o lado, sendo e não sendo pedra; é comum e preciosa; escondida e contudo conhecida de todos; com um só nome e com muitos nomes; esta pedra, por isso, não é uma pedra porque é muito mais preciosa: sem ela a natureza não faz nenhuma obra.
Revela-se mais uma vez pelos tratados de inspiração mística dos árabes dos sécs. X-XI, chegados até nós por traduções ora da escola de Toledo, do Rei Afonso o Sábio, ora pelas versões posteriores do Humanismo e do Renascimento que toda a elaboração sobre a Pedra Filosofal que não tenha enveredado pela química ou pela medicina, sobretudo a paracélsica, só tem um conteúdo: psicológico ; ou místico, nos casos mais especiais de obras que permitam uma tal interpretação.
Para Fabricius a Pedra, nas suas várias descrições e processos é a VIDA, com o nascimento, o crescimento, a degradação e morte que lhe são próprias.
Monday, May 01, 2006
LA TOURBE II
A TURBA, ou ASSEMBLEIA dos Filósofos, termina com um conjunto de alegorias de que a primeira é sobre o Homem:
" Pega no homem despojado, extrai-o (sic) sobre uma pedra ou uma placa até que o seu corpo se torne mortal, a sua espessura tenha desaparecido.Asseguro-te que, mal ele deixe a sua matéria grosseira se tornará espiritual. De seguida devolve-lhe a sua alma. Depois coloca-o num banho durante quarenta dias, para que o esperma fique guardado no útero, o que é sempre o começo da regeneração da natureza e é a partir daí que a criação se produz. E segue até ao fim aquilo que te propões."
Note-se a semelhança com o processo descrito no PICATRIX, que deixei, sem o transcrever, mas acessível a consulta, num comentário anterior.
Aí o homem é igualmente "cozido" durante quarenta dias até a cabeça poder ser separada do corpo e, tornada sapiente, ou seja "espiritual" poder ajudar a resolver as interrogações dos adeptos do templo. São alegorias de transformação e regeneração da natureza, feitas numa linguagem crua, mas sugestiva do que se pretende: aproximar o homem do Criador, fazendo, como Deus fez, obra de criação.
RONALD PEARSALL, em THE ALCHEMISTS, London, s.d. tem um interessante capítulo dedicado, precisamente, ao Islão: "Islam to Bacon".
LA TOURBE DES PHILOSOPHES
Na série dos clássicos da alquimia as Ed. Dervy publicaram em 1993 a primeira edição em francês moderno da Turba dos Filósofos, texto alquímico dos mais célebres, logo a seguir à Tábua de Esmeralda.
Nesta espécie de resumo enciclopédico dos dizeres dos mais antigos filósofos herméticos encontraremos muitas referencias a SENIOR, o IBN UMAIL de que já nos ocupámos e que julgo ser, com o autor do tratado do PICATRIX, uma das fontes mais importantes de toda a alquimia medieval.
A mais antiga edição da TURBA remonta ao século XVII, mas esta edição é feita a paritr da BIBLIOTHECA CHEMICA CURIOSA de Manget, (Genève, 1702), que contém duas versões do texto.
Entende o editor que ele se mantém fiel à Tradição, embora se adivinhem deturpações resultantes da utilização feita por autores árabes.
O corpus dos bons autores citados inclui a ARTIS AURIFERAE, uma das recolhas igualmente importantes, por transmitirem muita informação teórica e prática.
A TURBA é considerado um dos mais antigos tratados que não se limita a uma selecção de receitas contendo o Grande Segredo da Arta. É uma exposição dos arcanos (segredos) do mundo e de um modo de trabalho, o próprio do adepto de alquimia.
Sugere-se um regresso às fontes mais antigas, dos egípcios, babilónios e antes deles os chamans, praticantes da arte de fundir e trabalhar os metais, sendo o fogo o elemento por excelencia da transformação desejada.Nem a química já desenvovida na Idade-Média os podia ultrapassar.
Como leituras indicadas para continuar o entendimento da TURBA, deixa-nos o editor com RUSKA, TURBA PHILOSOPHORUM (Berlin, 1931) e com Paulette DUVAL, LA PENSÉE ALCHIMIQUE et le CONTE DU GRAAL ( Paris,1979 ). Esta última obra especialmente interessante para o estudo das lendas do Graal, desde a Idade-Média em que se constituem e em que o processo de iniciação do herói, suas aventuras e desventuras, em muito prefiguram as metamorfoses da Pedra. Para além de se supôr que houve marcas árabes, neste tipo de iniciação.
Por mim permito-me acrescentar, de PIERRE PONSOYE, L'ISLAM ET LE GRAAL, um estudo sobre o esoterismo do PARZIVAL de Eschenbach ( MILANO, 1976 ) :
" O enigma do Graal não deixará nunca de despertar o interesse profundo do homem que medita, porque o seu LUGAR fica para lá de todos os problemas secundários do espírito...no retiro muito íntimo desse mistério que é a memória espontânea das coisas divinas."
É no capítulo dedicado aos Templários e ao Templo e o Islão que melhor se desenvolve esta ideia.
Mas regressemos à TURBA:
Foi impressa pela primeira vez em 1572 em Bâle, incluída no volume da ARTIS AURIFERAE e mais tarde muitas vezes recuperada, melhor ou pior transcrita,nas recolhas da tradição ocidental.
As fontes manuscritas conhecidas são várias, datadas do séc XIII, mas não se conhecem versões árabes nem nenhum original grego que pudesse ajudar a resolver o problema da origem do texto. Ruska (que utilizou o ms de Berlin, QU 584 estabelece um paralelo com o KITAB-al-HABIB, citado por BERTHELOT ( La Chimie au Moyen-Âge ,tomo III, pp. 76-109 ) ; e um outro estudioso, PLESSNER, reconhece semelhanças com as CONTROVÉRSIAS e CONFERENCIAS DOS FILÓSOFOS de UTMAN-ibn-SUWAID , que julga ser o verdadeiro autor da Turba.
Suwaid naceu em Panopolis, que foi até ao séc. VI uma importante colónia grega e por aí podia de facto ter adquirido os conhecimentos das doutrinas herméticas e alquímicas.
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