Wednesday, January 29, 2014

Lu Tsou
Le Secret de la Fleur d'Or
tradução francesa de Liou Tse Houa

De um amigo a quem perguntei se conhecia esta obra recebi como resposta que tinha lido, mas sem perceber nada.
Nem tudo é para perceber, logo à primeira, nas obras herméticas, ainda menos chinesas.
Na nossa cultura ocidental temos algumas flores igualmente misteriosas e inacessíveis: penso na Flôr Azul, de Novalis, obra que ele até deixou por acabar!
Essas flores misteriosas que simbolizam a perfeição inalcansável, seduzem, mas não se deixam colher.
O que fica então que nos leve a ler e a reler?
Os passos do caminho...
Não é por acaso que neste mesmo volume o tradutor acrescenta outro tratado: o Livre de la Conscience et de la Vie, o livro da Consciência e da Vida.
Porque em ambos é da consciência e da vida que se trata. A flôr da perfeição é um horizonte, não chega a ser real. Mas real é a vida que vivemos, e acima de tudo o modo, a consciência com que a vivemos.
Consciência da Vida, a nossa e a da pulsação do universo em geral, do mundo que nos rodeia, e em que tudo está "ligado" é uma forma de sabedoria.
A Rosa, seja dos Rosa-Cruz, dos alquimistas antigos (como Basile Valentin) ou dos poetas - lembremos a rosa de Rilke, ou a de Eugénio de Andrade, são sempre mais do que aparentam.
O mesmo se dá aqui, neste tratado chinês.
Foi traduzido para alemão por Richard Wilhelm, em 1929, e desde aí lido e estudado pelos curiosos destas matérias um pouco por todo o mundo.
A busca da flôr de ouro, como a da flôr azul dos românticos, parece-se com a busca do Graal, outro emblema de iniciação que tem atravessado os séculos. Será a busca de um Todo que abarca o eu e o mundo, mas que exige a entrega total do eu a esse Todo que se ignora o que seja. Viagem que atemoriza? Sem dúvida, pois dela não sabemos se terá regresso, e ainda menos se será bem sucedida.
Ao abordar estas matérias, precisamo talvez de ter conhecido outras: o Bardo Todol, por exemplo,  Livro Tibetano dos Mortos, - que alerta para eventuais perigos, projecções do nosso próprio imaginário irracional, povoado de génios e demónios aterradores, e que teremos de entender, para afastar. Aqui se fala, por fim, da Clara Luz à saída dos abismos da viagem, a Luz do Entendimento desejado, e que só no fim da vida é concedido ( ou em vida, só a alguns iluminados).
Esta Luz é descrita, no Livro dos Mortos, como "Clara Luz do Vazio", conceito que em Jacob Boehme, teósofo alemão do século XVII, por exemplo, é melhor definido com Abismo, o negro abismo de onde emana, com a energia do Verbo, toda a luz, em simultâneo com a matéria densa da criação. A Obra consistirá, para Boehme, em sublimar essa matéria densa, até que toda ela seja de novo luz...
O mesmo discurso encontramos nós nos alquimistas ocidentais, que chamam à sua Pedra Filosofal "flôr do sol", ou flôr de ouro"entre tantas outras designações igualmente místicas e simbólicas, que podemos encontrar no célebre Dictionnaire mytho-hermétique de Dom Pernety, de 1758.
Referi que há obras que deviam acompanhar a nossa leitura deste tratado de Lu Tsou. Uma delas é sem dúvida o I Ching, Livro das Mutações, que foi igualmente traduzido para alemão por Richard Wilhelm e que inspirou Carl Gustav Jung, que o estudou durante toda a sua vida, como nos conta na sua Aubiografia. Era o seu livro de cabeceira. E percebe-se, pois não se esgotam nunca as imagens e juizos, carregados de mistério e de sabedoria.
O segredo é aparentemente simples: saber adaptar-se a todas as transformações, em cada um dos momentos da vida. Lição que serve tanto para os Imperadores da antiga China, a quem o I Ching era dado como modelo, como para o homem normal, na sua vida.
Na transformação reside a eternidade: "a transformação é o imutável", e para o homem durar "é deixar passar" (Lu Tsou, p.18).
Em regra a lição surge logo de início:
"O que existe por si mesmo é chamado a Via. A Via não tem nome nem forma.É a essência única, o espírito original único.Não se pode ver nem a essencia nem a via. Estão contidas na luz do céu; não se pode ver a luz do céu; está contida no dois olhos" (p.45).

Quem conheça o taoísmo saberá que o nome do Tao é precisamente a Via, e que está é o Uno, aquilo que nada tem acima de si mesmo, e é por definição inatingível.
A flôr de ouro é a luz, essa mesma que não pode ser vista, pois está contida, como luz do céu, nos nossos olhos...
Assim, do céu à terra (dos nossos olhos) se entra no jogo dos opostos que são a chave de todos os enigmas e de toda a energia transformatória.
Para que não restem dúvidas, Lu Tsou confirma:"Toma-se a flôr de ouro como símbolo"(p46).
E a partir daqui é deste modo que a leitura deve ser prosseguida, num alargamento da cadeia do Ser, do homem ao mundo, do mundo ao céu e ao universo inteiro.