Wednesday, April 26, 2006

P. III


O PICATRIX será referido por Pico della Mirandola, Marsilio Ficino, Cornelius Agrippa e outros que o conheceram em primeira ou segunda mão.
A Inquisição de Veneza, para justificar a prisão de Casanova, invocará o facto de ele ter na sua biblioteca a tradução latina do tratado. Assim se foi fazendo a história ora secreta ora pública de uma matéria hermética de sucesso, pelo fantástico imaginário que se constituiu à sua volta.

Finalmente temos nós agora, não sendo arabistas nem latinistas, a possibilidade de estudar o tratado numa versão inglesa que o amor à arte permitiu que se fizesse a partir do original árabe.Deve-se isto ao entusiasmo de Hashem Atallah, o tradutor, e de seu editor William Kiesel ( Ouroboros Press, 2002).
PICATRIX ou GHAYAT AL-HAKIM.
O sub-título do livro devia ser o LIVRO DOS SÁBIOS (como a QUESTE do Graal ).O seu objectivo é explicar como se atinge a sabedoria universal, por força da alquimia prática, mágica, laboratorial tanto quanto filosófica- através da manipulação dos elementos, minerais, vegetais, animais e humanos (sendo certamente por aqui que o livro se tornava chocante e era proibido como obra de magia negra). Tudo se realizava sob a égide de conjunções astrais determinadas, sendo preciso ser bom cohecedor de matemática e astronomia, para além da química da transformação dos elementos.
No capítulo VI ( Livro I )define-se melhor a Sabedoria, alvo e objectivo único do adepto. Assim poderá entender a sua própria essência
que é a de um microcosmos, inserido num universo superior:
" A verdade do seu ser é que ele é uma entidade completa, caracterizada por três elementos, a fala, os animais e as plantas. Distingue-se dos animais pela fala; consegue, pela reflexão, formar imagens do que não pode fisicamente ser visto."
Isto é o homem, ser dotado de pensamento, tem a capacidade de "imaginar" e de "conceptualizar" - tem o conhecimento e a capacidade de o articular, pensando e falando, detendo assim um poder que os outros seres não possuem.
O autor procede de seguida à identificação do corpo humano, órgão por órgão, com as várias esferas planetárias.Começa pela cabeça, segue com os olhos, o nariz, as orelhas, a frente do corpo, as costas ( um sendo o dia, o outro a noite ) o ritmo do andar idêntico ao movimento ou à rotação dos astros, etc.,etc.É um capítulo muito interessante, até do ponto de vista da anatomia , mas principalmente pela forma "analógica" como se poderia vir a tratar um corpo doente através da contemplação do astro que lhe dizia respeito. Estamos, é claro, a lidar com um mundo pré-científico, mas o certo é que estas formas de "ver" chegaram a um Shakespeare,e foram satirizadas, ainda no séc. XVII por um Molière, prova de que fizeram carreira ao longo dos tempos.
Deixo o leitor com a curiosidade de continuar a ler, e passo a uma das lendas que no livro é contada, atribuindo-a a um antigo sábio budista (algo que me pareceu muito duvidoso; as atribuições, para escapar, na dúvida, a algum incómodo, eram frequentes, e a lenda tem algo de tenebroso).

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