Saturday, April 08, 2006

Isidis in Athanasius Kircher


A gravura representa a deusa Isis tal como é descrita por Apuleio no BURRO DE OURO.
A deusa é a Grande Mãe, reina sobre o mundo e sobre as esferas celestiais, domina o caminho da Lua, detém o poder da fertilidade.
Também se identifica a Ceres, pois foi ela quem descobriu o trigo, alimento universal.
As inscrições gregas na base da gravura rezam :
" Isis, daimon omnicompreensivo e polimorfo, natureza a que se chama com mil nomes matéria;alba mãe dos deuses, esta Isis de muitos nomes".
Por aqui se vê onde os alquimistas foram buscar o conceito da sua Pedra secreta e sagrada " de muitos nomes", como todos proclamam, como se o único e verdadeiro nome tivesse de ser ocultado para sempre, e só a adjectivação variada pudesse ser admissível.
Athanasius Kircher pertence àquela élite de sábios universais que no século XVII, continuando heranças como a de Leonardo da Vinci e outros, se ocupam de matérias científicas, filosóficas, artísticas e religiosas de tradição gnóstica e alquímica (bebida no Egipto da Alexandria dos primeiros séculos da era cristã) . É um Jesuíta alemão que se instala em Roma, e aí cativa o mundo culto com a imensidão do seu saber, a que não falta a reflexão sobre a música, a arquitectura, a política, etc.
Remeto o leitor para a consulta da edição preparada por IGNACIO GÓMEZ DE LLANO nas edições SIRUELA. Gomez de LLano considera-o um paradigma intelectual que, para além do domínio do saber clássico do trivium e do quadrivium, não se tinha alheado das descobertas e do conhecimento das explorações transoceânicas.
Repare-se que estamos no século de Descartes e da dúvida metódica, que se supõe o conceito fundador de um novo olhar sobre o mundo e sobre o homem ; o predomínio é dado ao "cogito", ao pensamento racional: penso, logo existo.
Ora com este Jesuíta brilha não apenas o pensamento e a consciencia dele, mas também a imaginação, o maravilhoso que o saber universal desde tempos imemoriais conserva e transmite, de uma forma ou de outra.
Kircher, na determinação das ideias que defende ou respeita ao estudá-las, comporta-se, como diz G.de Llano, "como uma espécie, praticamente extinta, de animais intelectuais capazes de harmonizar a mística ...e a observação ao telescópio das manchas solares, de se deslocar para ver in situ uma erupção vulcânica e de utilizar uma  "lanterna mágica" para amenizar a festa que um príncipe romano dá no seu palácio"
Eram imensos os seus conhecimentos de astronomia, mas isso não o impediu de celebrar a harmonia das esferas em modelo pitagórico.
Do mesmo modo o vemos reflectir sobre os mistérios do Egipto, seus hieroglifos e deuses,com destaque para Isis, a mãe de todos eles, o primeiro princípio criador, o daimon, a "força vital" do universo criado.
Isis lunar cedo se tornou objecto de reflexão e inspiração para poetas e adeptos de iniciações ocultas, celebradas em espaços e momentos considerados sagrados, porque ocultos.
A referencia aos muitos nomes é um dado importante, porque aponta para uma das fases primordiais de todo o percurso iniciático : a METAMORFOSE.
Lendo o Burro de Ouro, tratado místico de que se ocupou, no nosso tempo, Marie-Louise von Franz, cedo percebemos que se irá assistir a uma transformação do herói, vitimado sem culpa, como é próprio das figuras míticas, santas ou heróicas.Tinha que ser uma obra que fascinasse alguém como o Padre Kircher.
Sem entrar agora no detalhe do mito de Eros e Psyche,narrado no Conto de Apuleio, termino apenas com as considerações sobre a matéria e o vaso místico feitas por M.L.von Franz no seu estudo:
"A matéria, que nunca fora reconhecida como fazendo parte da divindade, nem pela Igreja Católica nem pela Protestante, sobreviveu de forma escondida na alquimia que é, no seu conjunto, uma tentativa de reunir a alma ao mistério da matéria....Jung estudou a relação da Deusa enquanto anima mundi e tentou recuperá-la para o nível da consciência".
VER: M.L.von Franz, L'ÂNE D'OR,Interprétation d'un Conte,ed. La Fontaine de Pierre,1978

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