Wednesday, April 04, 2007
Celan e Anselm Kiefer
De Andrea Lauterwein a belíssima edição em francês ( Éditions du REGARD,Paris,2006) do que foi inicialmente a sua dissertação de Doutoramento sobre a obra do pintor Anselm Kiefer e a poesia de Paul Celan que ela, como tantos de nós, considerou um dos grandes do século XX.
Kiefer trabalha por grandes ciclos poetico-simbólicos os temas que foram fundadores de uma nova maneira de dizer. Contrariando os que entendiam que depois do holocausto não mais se poderia escrever, ainda menos " sentir " o impulso do poema, Celan veio mostrar que o Dizer era imperativo, pois dizendo relia-se a história ( a vida ) e a humanidade nesse confronto consigo mesma, seus percursos de negra contradição, poderia talvez nalgum futuro distante vir ainda a ser salva.
Não espantará o estudioso que Kiefer tenha sido também, nos seus quadros, um intérprete do mistério wagneriano, interrogando a lição mais profunda que tanto se encontra na Tetralogia como no Parsifal : a do sentido do mito. Também o que encontramos na obra de Celan é essa dolorosa e permanente interrogação. Wagner tenta decifrar a alma pagã (dita mais pura) para chegar a uma ideia universal de cristianização, Celan debate-se com a promessa do Deus do Antigo Testamento, promessa feita a Jacob, na escada de mediação entre o céu e a terra - e Anselm Kiefer interroga ambos os criadores, um que foi o "pai mítico" de uma geração enganada e outro que foi a vítima inocente dessa mesma geração.
No capítulo da "Mémoire des Mythes" lemos em epígrafe a nota de Kiefer:
" O meu pensamento é vertical
e um dos planos era o fascismo.
Mas vejo todas as camadas."
Ou ainda: "A minha biografia é a biografia da Alemanha".
Anselm Kiefer nasceu a 8 de Março de 1945 em Donauschingen, num país aniquilado, que em 1949 será a República Federal da Alemanha.Ficando do lado ocidental, Kiefer fará parte da "segunda geração" que vai crescer com a memória da derrota e da culpa, embora não tenha já crescido sob a influência do regime nazi.
Nesta geração, os artistas transitam da herança do mito germânico da arte para o mito da herança da arte ocidental, muito sob a influência dos Estados Unidos. Mas Kiefer entende defender o direito à especificidade da arte e da cultura de cada nação e também, como é óbvio, da sua. Assim se demarca dos caminho dos outros e segue o seu caminho, difícil como o caminho que ele desenha para Siegfried, na busca de Brunhilde.
Não veremos nele a marca da arte do Bauhaus, o movimento fundador do modernismo alemão, e ainda menos qualquer marca do "Formalismo" vigente, mais próprio do design do que de outra coisa, na sua opinião. Para ele era imperioso ultrapassar essa "hora zero".
E o mito veio então preencher esse vazio, enterrando a sua raiz profunda na pintura e na poesia, da mais ambiciosa à mais modesta palavra proferida.
Em 1989, numa instalação que intitulou PAVOT ET MÉMOIRE/ L'ANGE DE L'HISTOIRE, inspirada em Walter Benjamin e em Paul Celan, Kiefer inscreve, nas palavras da sua estudiosa, A.Lauterwein, " a simultaneidade histórica da Shoah no coração do mito Beuysiano" (p. 51 ). Lembro que Beuys era à época o artista que trouxera à arte o elemento do quotidiano banal como realidade suprema. Kiefer não aceita a banalização da arte, como Celan não aceitará a banalização da palavra poética.
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3 comments:
Belíssimo blog, magníficas postasgens! Um achado! Parabéns!
Eduardo,
O seu VARAL DE IDEIAS tem a marca do génio.Parabéns pelo prémio, voltarei sempre e aqui deixo aviso aos meus amigos, pendurem-se no VARAL, para mais e melhor cultura!
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