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Wednesday, April 04, 2007

Kiefer-Celan, Das Einzige Licht



Este poema de Celan, A ÚNICA LUZ, escrito em Bucareste em 1946, inspira Kiefer nesta obra que é já, a seu modo, uma transmutação do negro, uma sublimação da matéria que assim se inscreve num espaço alquímico, simbólico, mítico, no sentido bachelardiano do termo.
Andrea Lauterwein exprime deste modo a sua percepção da obra de um e outro, Kiefer e Celan:
" A literarização do campo metafórico das obras de Kiefer encontra paralelo na materialização da fenomenologia poética de Celan. Os dados físicos dos paradigmas celanianos- a escuridão, o fosso, o resíduo, a profundidade, a pedra, a terra, o cabelo, a areia- oferecem uma estrutura de acolhimento que Kiefer transfere para a concepção do quadro...É com esta imaginação da matéria, no sentido Bachelardiano. que a poesia de celan inventa uma nova categoria de sublimeqie permite exprimir o horror...A partir desta dimensão mnemotécnica destes materiais Kiefer inventa a suas alegorias privadas: a palha, o chumbo e a areia...A palha transforma-se em cinza, o chumbo é purificado e a areia não arde." ( pp.225-6 , in Anselm Kiefer et la poésie de Paul Celan, Éditons du Regard, cit.infra).
Vale a pena falar do chumbo sublimado que é o segredo da obra, de ambos os artiatas: um dando voz ao horror, outro recuperando a memória.O que se procura na obra de Celan não é a biografia, embora ela não possa ser esquecida, mas o SENTIDO que a move e orienta, essa luz única, ora clara ora negra,que se materializa na espessura da matéria do poema. Se o Deus de Jacob se retirou só a palavra do homem poderá preencher o seu vazio, só a palavra que o interpele, como fez Job, no auge do sofrimento.

Paul Celan em português:
SETE ROSAS MAIS TARDE,trad.João BARRENTO/Y.K.CENTENO,ed. Cotovia
A MORTE É UMA FLÔR, trad.João BARRENTO,ed.Cotovia
ARTE POÉTICA, trad.João BARRENTO,ed.Cotovia

Kiefer e Celan



Continuando com esta relação entre Kiefer e Celan vejamos os quadros mais recentes, de 2005, na série que foi dedicada ao poeta. Um dos mais belos óleos tem por título O SANGUE CELESTE DE JACOB ABENÇOADO PELAS ACHAS-PARA PAUL CELAN.
Sobre as achas de lenha que alimentarão o fogo do sacrifício, do extermínio, ergue-se o LIVRO , negro, ele próprio queimado e tornado ilegível no seu conteúdo antigo, prometido.
Negro, esse Livro das Promessas falhadas aguarda transformação.
Mas num primeiro momento o que é preciso é recordar.A memória do tempo, feita espaço, como no reino do Graal wagneriano, obriga Deus ao confronto consigo próprio, interpelando-o-pela palavra e pela imagem, obriga a consciência a confrontar-se com o seus impulsos mais profundos, operando a mutação necessária no inconsciente que lhe dá forma e suporte.

Celan e Anselm Kiefer



De Andrea Lauterwein a belíssima edição em francês ( Éditions du REGARD,Paris,2006) do que foi inicialmente a sua dissertação de Doutoramento sobre a obra do pintor Anselm Kiefer e a poesia de Paul Celan que ela, como tantos de nós, considerou um dos grandes do século XX.
Kiefer trabalha por grandes ciclos poetico-simbólicos os temas que foram fundadores de uma nova maneira de dizer. Contrariando os que entendiam que depois do holocausto não mais se poderia escrever, ainda menos " sentir " o impulso do poema, Celan veio mostrar que o Dizer era imperativo, pois dizendo relia-se a história ( a vida ) e a humanidade nesse confronto consigo mesma, seus percursos de negra contradição, poderia talvez nalgum futuro distante vir ainda a ser salva.
Não espantará o estudioso que Kiefer tenha sido também, nos seus quadros, um intérprete do mistério wagneriano, interrogando a lição mais profunda que tanto se encontra na Tetralogia como no Parsifal : a do sentido do mito. Também o que encontramos na obra de Celan é essa dolorosa e permanente interrogação. Wagner tenta decifrar a alma pagã (dita mais pura) para chegar a uma ideia universal de cristianização, Celan debate-se com a promessa do Deus do Antigo Testamento, promessa feita a Jacob, na escada de mediação entre o céu e a terra - e Anselm Kiefer interroga ambos os criadores, um que foi o "pai mítico" de uma geração enganada e outro que foi a vítima inocente dessa mesma geração.
No capítulo da "Mémoire des Mythes" lemos em epígrafe a nota de Kiefer:
" O meu pensamento é vertical
e um dos planos era o fascismo.
Mas vejo todas as camadas."

Ou ainda: "A minha biografia é a biografia da Alemanha".

Anselm Kiefer nasceu a 8 de Março de 1945 em Donauschingen, num país aniquilado, que em 1949 será a República Federal da Alemanha.Ficando do lado ocidental, Kiefer fará parte da "segunda geração" que vai crescer com a memória da derrota e da culpa, embora não tenha já crescido sob a influência do regime nazi.
Nesta geração, os artistas transitam da herança do mito germânico da arte para o mito da herança da arte ocidental, muito sob a influência dos Estados Unidos. Mas Kiefer entende defender o direito à especificidade da arte e da cultura de cada nação e também, como é óbvio, da sua. Assim se demarca dos caminho dos outros e segue o seu caminho, difícil como o caminho que ele desenha para Siegfried, na busca de Brunhilde.
Não veremos nele a marca da arte do Bauhaus, o movimento fundador do modernismo alemão, e ainda menos qualquer marca do "Formalismo" vigente, mais próprio do design do que de outra coisa, na sua opinião. Para ele era imperioso ultrapassar essa "hora zero".
E o mito veio então preencher esse vazio, enterrando a sua raiz profunda na pintura e na poesia, da mais ambiciosa à mais modesta palavra proferida.
Em 1989, numa instalação que intitulou PAVOT ET MÉMOIRE/ L'ANGE DE L'HISTOIRE, inspirada em Walter Benjamin e em Paul Celan, Kiefer inscreve, nas palavras da sua estudiosa, A.Lauterwein, " a simultaneidade histórica da Shoah no coração do mito Beuysiano" (p. 51 ). Lembro que Beuys era à época o artista que trouxera à arte o elemento do quotidiano banal como realidade suprema. Kiefer não aceita a banalização da arte, como Celan não aceitará a banalização da palavra poética.