Thursday, April 26, 2007
Mundo Arquetipico II
E agora os quadros de Kiefer, meditando Celan, o incoformado com o silêncio da Deus.
Ambos datam de 1995: o primeiro, a grande flor na cabeça,tem por título Sol Invictus- ironia máxima, aludindo a um mundo que perdeu e talvez continue a perder a luz da razão (da racionalidade); o segundo tem por título Ash Flower, flor de cinza- aproximando-se então da essencia mesma da trágica poética de Celan, o que olha, vê e interroga permanentementa as cinzas, os restos, do que tinham sido as promesas de um Criador que não parece cumprir.
Como observa Andrea Lauterwein, no seu magnífico estudo " A divina promessa foi subvertida, pois embora a semente de Abraão seja numerosa como as estrelas, não brilham estrelas na noite escura, o contrato com Deus foi quebrado,'em nenhum lado/ se pergunta por nós' ".
( A.Lauterwein: Anselm Kiefer,Paul Celan, Myth Mourning and Memory,Thames and Hudson, 2007 )
As flores são girassóis, por dolorosa ironia. Não brilha o sol, apenas se elevam as cinzas que o sopro do vento espalhará sobre a memória do mundo.Inverte-se aqui o simbolismo alquímico da árvore de Jesse, que Celan refere num dos seus poemas ( RADIX MATRIX, 1961 ):
....
Quem
quem era, aquela
raça, a que foi assassinada, aquela
que negra se ergue no céu:
testículo e pénis -?
(Raiz.
Raiz de Abraão.Raiz de Jesse.Raiz
de ninguém -oh
nossa. )
Leia-se ainda outro poema em que a mesma presença, invertida, do símbolo se manifesta. Escrito em 1970, será um dos últimos que envia a uma amiga e confidente:
MUDANÇA DE LUGAR
Mudança de lugar entre as substâncias:
vai tu para ti, junta-te
à luz telúrica
desaparecida,
dizem-me que fomos
uma planta celeste,
terá de ser provado, a
partir de cima, ao
longo das nossas raizes,
há dois sóis, ouves,
dois,
não um-
sim, e depois ?
Nunca neste poeta se realizará a desejada Conjunção feliz, o corpo sofreu damasiado para que o espírito se liberte. Com Celan , nesta alquimia invertida, a Obra que é a Vida regressa à mais profunda Nigredo.
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