O Livro da Explicação dos Símbolos, da autoria de Muhammad Ibn Umail, está finalmente disponível em edição bilingue, árabe-inglês, publicada na Living Human Heritage, 2003.
No seu estudo sobre a Aurora Consurgens, obra apócrifa, atribuída a S.Tomás de Aquino supostamente nos últimos momentos de vida, Marie -Louise von Franz refere a existencia deste tratado árabe, cujo autor foi conhecido no mundo latino como Senior.
De Senior é conhecido o tratado De chemica.
Ibn Umail terá vivido entre 900-960, embora alguns autores sugiram uma data mais antiga.
Ibn Umail levou uma vida retirada, de asceta, modelo que recomenda aos seus leitores como o mais adequado a quem deseje aprofundar os segredos da psique e dos seus símbolos.
A transformação da psique é o mais alto objectivo que se pode atingir, e nisso consiste o mistério e o segredo da alquimia.É uma prática mística, aquela que se verifica no acto de contemplação e/ou manipulação da chamada "matéria hermética".Por outras palavras estamos no domínio da aquisição e evolução da consciencia de si, algo que de novo e sempre, ou cada vez mais ocupará o pensador moderno.
Neste sábio árabe encontramos definições que se prendem com a dimensão simbólica da alquimia como arte de transformação da alma , e daí o interesse demonstrado por M.L.von Franz, no seguimento de Jung.
O século X foi um momento de esplendor na civilização e cultura árabes. O pensamento ocidental tem aí muitas das suas raizes, e isso me levará, nestas páginas, a apresentar um pouco do tratado de Ibn Umail.
" ...os sábios têm uma linguagem que adoptaram para falar, uma linguagem em símbolos.Fizeram isso porque dirigiam as palavras que escreviam nos seus livros somente àqueles que conhecem a sua linguagem , partilham os seus valores morais e são guiados pelas suas palavras e actos, seguindo os seus conselhos espirituais...As contradições de que padeçam em aparencia não devem ser tomadas em consideração, pois em tudo concordam quanto ao significado secreto."
Logo de início se explica a ligação intrínseca entre a busca espiritual oculta e os valores morais a que tem de estar ligada.
Segue depois o autor com a enumeração dos mútiplos nomes da "pedra dos sabios", a Pedra Filosofal , cuja matéria evolui do cobre até à prata, e daqui, uma vez atingida a tintura "branca" seguindo com os nomes de "terra branca, sagrada terra sedenta,terra de pérolas, terra de prata , terra de ouro, terra estelar e terra de neve". Surge ainda o nome de "terra de sal", numa alusão ao sal da vida sendo este um dos tres princípios, enxofre, mercúrio e sal". Mas o sal é o mediador de toda a operação transformadora.
O autor encerra esta primeira explicação com as três "fases" da Obra: o negro, o branco, o vermelho.Pois a seguir a esta primeira passagem ao branco da terra de sal, descrita acima, seguem-se o negro o branco e o vermelho como confirmação do caminho seguido.
Apontados os princípios, e as cores fundamentais do processo, as designações evoluem para um patamar mais profundo, introduzindo o termo "mãe" : mãe das cores, mãe das tinturas, mãe do ouro,mãe das naturezas,mãe dos deuses, e ainda o termo "origem" como seu equivalente simbólico : origem das tinturas, origem do mar dos dois vapores (os dois princípios, enxofre e mercúrio),e ainda: mar da sabedoria, mar dos sábios, pedra de mármore, pedra de alabastro, rochedo de sal, etc.
Se o enxofre figura também o fogo, o mercúrio a agua, ou o mar, ficamos a saber que o excesso de um leva à secura estéril da alma(quando não à morte do corpo) e a excessiva humidade do outro leva a uma dissolução não menos perigosa; a harmonia da sageza será mediada pela intervenção do sal, o sal da vida.
As descrições seguintes oferecem-nos um verdadeiro bestiário alquímico, que só em tratados posteriores, dos sécs. XVI e XVIIencontraremos com abundancia: dragões devorando tudo, rãs saídas da água, caracóis do mar e das montanhas, camaleões(pela mutação das cores, como se referiu) ou ainda pavões.
Para terminar, o autor deixa-nos com esta reflexão: os sábios chamaram à sua Pedra " tudo, porque ela contém tudo aquilo de quer necessitam para a sua arte ; Tudo está nela e provém dela e por ela, pois de nada ela precisa que não contenha já".
Os utensílios requeridos para a Obra também são nomeados:"vaso, alambique, templo" onde se reunem todas as pesoas dedicadas a esta ciencia., secreta e divina.
Algumas referencias evocam o célebre texto da Tabula Smaragdina :" a natureza compraz-se na natureza, a natureza une-se à natureza, e a natureza vence a natureza " ou ainda:" o Ser compraz-se no ser, e o ser une-se ao ser". Significando, segundo o autor, a união da alma e do espírito contidos no corpo com a alma e o espírito emanados da água divina oriunda do "primeiro corpo" ( leia-se aqui o primeiro princípio criador).
Demonstrando o seu conhecimento da antiga tradição, que remonta aos sécs.II-III da nossa era, Ibn Umail cita Maria a Judia, também conhecida como Maria irmã de Moisés, e Maria a Profetiza, que descreve a utopia da cidade dos sábios (como em Platão, na República tal cidade também é desejada) : " Nós, os sábios, somos os habitantes de uma cidade e cada um de nós reconhece a linguagem dos outros. Assim, quem não é da nossa cidade e não conhece a nossa língua, nãodeve entrar na nossa arte. "
Muito interessante nas páginas seguintes do tratado, será a explicação de mais um nome atribuído à Pedra da sabedoria: eles (os sábios) chamaram-lhe livro e tudo o que dele surge livros. E se ao mercúrio chamam "tudo" é porque ele é a origem de todas as coisas.
Sendo o mercúrio o princípio feminino é a este arquétipo antigo, da civilização matriarcal, que se atribui o início (o desdobramento) de toda a criação.
Mas é importante a referencia ao livro e aos livros. Noutros autores encontraremos a importancia da leitura e do estudo , muita leitura e muito estudo para se chegar a bom termo do caminho, da revelação desejada.
Podemos dizer que no fim do caminho o homem se encontra a si mesmo, ele é a matéria da Obra, ele é a Obra divina, a matéria de Deus, que nele reuniu o Sopro do espírito e o Corpo da alma.
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