E ele responde, directo e com simplicidade (os sonhos são assim, falam claro; a questão é depois dar sentido ao que nos deixam dito).
Desde que transcrevi o sonho-poema - é o relato de um sonho, mas não deixa de ser poema- que procuro entender a "lição".
Entendo em parte: é pedido sal, o sal da vida, o sal que nos três princípios alquímicos de enxofre, mercúrio e sal, serve de medianeiro transmutador. Sem ele nada acontece.
Mas há ali algo mais, e nisso tenho ficado a pensar, dias e dias a fio; continuo intrigada. O sal que fui buscar não estava limpo...tinha coisas lá dentro, pegajosas, que fui tirando...
Eis o poema, quem sabe alguém se reencontra nele ou me diz qualquer coisa.
Perdi há anos o meu alter-ego leitor, clarividente, eis-me cega neste momento para as ajudas que sempre julguei ter.
O SAL
Chega o Desconhecido
na sala aberta
fica de pé
encostado à parede
olha à volta
e aguarda
pergunto
deseja alguma coisa?
ele acena e responde:
sal
sal? repito eu
com algum espanto
sim
procuro a caixa grande
para tirar o sal
que lhe vou dar
o sal não estava branco
havia coisas lá dentro
escuras
pegajosas
remexi com as mãos
para limpar
dirão é bom sinal
o sal purifica
protege
mas eu hesito:
mesmo assim
estando sujo?
Numa leitura alquímica o sentido é aparentemente simples: purificar o negro, sublimar a matéria imperfeita; mas na vida...
Aqui deixo o enigma aos meus leitores. Quem sabe se me ajudam.
8 comments:
- Envio, sinceramente, o que traduzi sobre a minha noite de sonhos, instantes antes de ler o seu poema, e a convido :
" Vivo um momento grave. Registro que tive coragem para ir aonde estive e testemunhar o que vi. Todas as minhas referências foram alteradas."
Espero que signifique algo para vc . Um forte abraço.
querida Yvette, lendo-te veio-me isto, sentindo que o sal é sonoro, é canto, é passe de garganta, é vento, e assim, é troca. grande abraço, roberta.
alvadio
sal
canoro
vestígio de vereda
curso d'água orlando areias
caminhantes dunas
percurso sonido
o infinito corsário
da voz ao desejo
sal
seguir, liames
liga de mercúrio
entre o mudo e o pleno
enlaço, rama de pinhais
uma mulher clara
tocheira do dia
sal, sinal
insígnia molhada
da boca
fogo devolvido
do alimento
ao mundo
Querida Roberta,
Já tinha saudades.
Também aqui o s de sal...
abraço fiel
"Não há geração sem corrupção" (...) Precisas meter a mão no sal: e neste veículo de transmutação incorrerá o mudança que transformará o negro na pedra branca... Tive alguns sonhos alquímicos recentemente, Meyrink me trouxe aqui... O dragão azul, as damas de prata, o ouro em mim: o casal perfeito com seu filho... Há algo que gostaria que lesse, um texto ainda não terminado...
a caixa branca é um símbolo uterino sublimado; as coisas pegajosas , desejo e humores demasiados humanos. bom sinal, a caixa é nietzschiana, contém vida. onde há vida há poesia: ela está também repleta de vogais.
correção: demasiado.
Meyrinck:
em cada romance uma doutrina iniciática; devia ser mais traduzido e estudado.Algo de semelhante, na curiosidade pelas filosofias herméticas, a Fernando Pessoa: inquietações de alma, vidas divididas.
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