Friday, April 28, 2006

A MONTANHA DOS ADEPTOS



A Montanha dos Adeptos, nesta gravura de Stephen Michelspacher (ALCHIMIA, 1654), contém todos os ingredientes elementares, Fogo, Ar, Água, Terra e todas as fases de iniciação do adepto "vendado" (ignorante), até chegar ao Templo escavado na rocha.
São estes os degraus: Calcinação / Sublimação / Dissolução / Putrefacção / Distilação / Coagulação / Tintura - um dos nomes do Elixir de Vida ,ou de Sabedoria, ou da Pedra Filosofal, que já sabemos ter muito nomes.
Sobem-se os degraus, 7, fase por fase; a Fénix, ave da transformação maravilhosa das cinzas em nova vida, múltipla e colorida como as suas penas,coroa a cúpula do Templo ornado do Sol e da Lua (o macho e fêmea, que no seu interior serão unidos).
Não é por acaso que o adepto vendado, à direita, tem do lado esquerdo um companheiro (reflexo do que ele virá a ser) perseguindo dois coelhos que correm para a toca; os coelhos são aqui figurações da fecundidade e da mutiplicação ( são 2 ), a benção que a iniciação e a Pedra concedem.
O que se multiplica é o Saber; o que se fecunda é o Espírito e a Alma, que no adepto tornado clarividente, como se diz no MUTUS LIBER, já não estão separados, estão integrados no Corpo que se sublimou e se pode redescobrir na sua totalidade física e psíquica.
Ler uma gravura alquímica é como ler um tratado. A gravura contém todos os segredos, prontos a ser descobertos pela meditação repetida e cuidada.
Muitas imagens remetem para outras, "conversam" entre si, por isso nos dizem que é preciso ler muito, estudar com aplicação, como em qualquer outra aprendizagem. Por exemplo, neste caso do adepto vendado, acompanhado de outro que é o que ele próprio virá a ser, de vista clara, somos forçados a recordar a máxima final do Mutus Liber (1617), o Livro Mudo, que narra todo um processo de iniciação alquímica, em que o trabalho é feito a dois ( o homem e a sua companheira ) :
"OCCULATUS ABIS", partes munido de olhos, ou seja clarividente, ou ainda com uma visão clara e nítida de um mundo superior, de perfeita harmonia do UM e do TODO, do micro e do macrocosmos.

Este tipo de obras influenciou gerações de adeptos Rosa-Cruz, Maçónicos e Espiritualistas como os do séc.XIX,ou ainda no séc. XX poetas como um Pessoa.

Wednesday, April 26, 2006

O LIVRO DE BUDA,citado no Picatrix


Aqui se faz a descrição de um processo que levaria em primeiro lugar à dissolução alquímico-mágica de um homem, para a seguir, separando-lhe a cabeça do corpo, obter através dela profecias e avisos que só os sacerdotes utilizariam.
Por ser ímpia a seita que praticava tais artes, o templo em que residiam os seus adeptos foi queimado e destruído, segundo narra o autor.
O fantasiar macabro da dissolução do corpo, para preservar uma cabeça que veria os segredos do micro e de macrocosmos, perdurará nos desenhos com que nos códices medievais se ilustram os processos ou "fases" da Obra.Por um lado temos provetas e tubos de vidro em que as formas humanas surgem e são descritas ora como em dissolução, ora como em coagulação, ora muito explicitamente como em "conjunção".
A ordem dada ao adepto é : solve et coagula.
Os elementos com que se trabalha são os quatro conhecidos;os princípios são três; e por aí adiante.
Será com Jung, Marie-Louise von Franz e a restante escola Junguiana que veremos decifrar este tratados, apresentando-os na sua dimensão psicológica mais profunda.
Imagens, aparentemente cruéis como as do Picatrix,são projecções de quem busca na matéria (mineral, vegetal, animal ou humana) o que pode ser o segredo ou o mistério do universo em que estamos integrados, e de cuja evolução ou destino dependemos.
Numa fase mais antiga a interrogação é mais ingénua, e a resposta também. Malinowski em MAGIC, SCIENCE AND RELIGION explica a diferença do imaginário mágico e religioso, e a sua evolução para o conhecimento científico.
A alquimia, encarada como prática mágica, despertou sempre desconfiança e os seus tratadistas foram frequentemente perseguidos.Mas estudada como via mística, ou ainda como forma de filosofia panteísta deixou marcas profundas no imaginário ocidental.
Os alquimistas apropriam-se de formas como a do andrógino, por exemplo, para meditar sobre uma primordial perfeição e completude perdidas.
Transpõem para o reino mineral, a Pedra Filosofal, as imagens disfarçadas do corpo a que não podem aludir. Falam da Matéria espessa, negra, que é preciso "depurar" (isto no caso das vias místicas, que serão igualmente condenadas pela Igreja,como se vê na perseguição aos Cátaros).
A redenção do corpo, equivale, na alquimia, à redenção do universo, pois também ele, como matéria visível, criada por um Ente Superior, carece de redenção. Destes conceitos confusos resulta no entanto uma ideia, que é o fio condutor de todo e qualquer tratado: a esperança de se alcançar a visão do Uno e do Todo, concretizada numa forma, a que se dá o nome de Pedra Filosofal, ou de Matéria da Obra, ou de Elixir de Vida, ou de Vaso do Graal,ou de Andrógino Hermético, - tudo isto podendo ser, como em algumas descrições, pura e simplesmente a realização da vida humana na sua plenitude de corpo, espírito, e alma.

P. III


O PICATRIX será referido por Pico della Mirandola, Marsilio Ficino, Cornelius Agrippa e outros que o conheceram em primeira ou segunda mão.
A Inquisição de Veneza, para justificar a prisão de Casanova, invocará o facto de ele ter na sua biblioteca a tradução latina do tratado. Assim se foi fazendo a história ora secreta ora pública de uma matéria hermética de sucesso, pelo fantástico imaginário que se constituiu à sua volta.

Finalmente temos nós agora, não sendo arabistas nem latinistas, a possibilidade de estudar o tratado numa versão inglesa que o amor à arte permitiu que se fizesse a partir do original árabe.Deve-se isto ao entusiasmo de Hashem Atallah, o tradutor, e de seu editor William Kiesel ( Ouroboros Press, 2002).
PICATRIX ou GHAYAT AL-HAKIM.
O sub-título do livro devia ser o LIVRO DOS SÁBIOS (como a QUESTE do Graal ).O seu objectivo é explicar como se atinge a sabedoria universal, por força da alquimia prática, mágica, laboratorial tanto quanto filosófica- através da manipulação dos elementos, minerais, vegetais, animais e humanos (sendo certamente por aqui que o livro se tornava chocante e era proibido como obra de magia negra). Tudo se realizava sob a égide de conjunções astrais determinadas, sendo preciso ser bom cohecedor de matemática e astronomia, para além da química da transformação dos elementos.
No capítulo VI ( Livro I )define-se melhor a Sabedoria, alvo e objectivo único do adepto. Assim poderá entender a sua própria essência
que é a de um microcosmos, inserido num universo superior:
" A verdade do seu ser é que ele é uma entidade completa, caracterizada por três elementos, a fala, os animais e as plantas. Distingue-se dos animais pela fala; consegue, pela reflexão, formar imagens do que não pode fisicamente ser visto."
Isto é o homem, ser dotado de pensamento, tem a capacidade de "imaginar" e de "conceptualizar" - tem o conhecimento e a capacidade de o articular, pensando e falando, detendo assim um poder que os outros seres não possuem.
O autor procede de seguida à identificação do corpo humano, órgão por órgão, com as várias esferas planetárias.Começa pela cabeça, segue com os olhos, o nariz, as orelhas, a frente do corpo, as costas ( um sendo o dia, o outro a noite ) o ritmo do andar idêntico ao movimento ou à rotação dos astros, etc.,etc.É um capítulo muito interessante, até do ponto de vista da anatomia , mas principalmente pela forma "analógica" como se poderia vir a tratar um corpo doente através da contemplação do astro que lhe dizia respeito. Estamos, é claro, a lidar com um mundo pré-científico, mas o certo é que estas formas de "ver" chegaram a um Shakespeare,e foram satirizadas, ainda no séc. XVII por um Molière, prova de que fizeram carreira ao longo dos tempos.
Deixo o leitor com a curiosidade de continuar a ler, e passo a uma das lendas que no livro é contada, atribuindo-a a um antigo sábio budista (algo que me pareceu muito duvidoso; as atribuições, para escapar, na dúvida, a algum incómodo, eram frequentes, e a lenda tem algo de tenebroso).

PICATRIX II

Foi contemporâneo de Al-Majriti o alquimista Muhammad ibn Umail, de cuja vida, como já disse, se sabe muito pouco, mas cuja obra foi conhecida e apreciada, sobretudo o tratado sobre a ÁGUA DE PRATA E A TERRA ESTRELADA, comentário de sua própria autoria a um outro tratado, uma ode intitulada "Epístola do sol à lua crescente".
No CORPUS ALCHEMICUM ARABICUM encontra-se a referencia às traduções latinas: TABULA CHEMICA, e EPISTOLA SOLIS AD LUNAM CRESCENTEM, da autoria de SENIOR ZADITH, nome pelo qual é mais conhecido surgindo em todas as referencias posteriores, dos sécs. XVI, XVII e ainda XVIII quando se pode dizer que a alquimia, sob esta forma, começava a entrar em declínio.
São obras que deixam muita informação àcerca das fontes de estudo dos alquimistas árabes, que parecem, na sua maior parte, ter bebido nos círculos herméticos da Alexandria dos sécs. II e III da nossa era os conhecimentos filosóficos, desde logo Platão, neo-platónicos e gnósticos, além de estritamente científicos e laboratoriais (eivados de magia, em muitos casos); assim se foi desenvolvendo a filosofia hermética que viemos a conhecer no ocidente, a partir da Idade-Média.A alquimia grega, a que hoje podemos aceder pelas traduções de FESTUGIÈRE, surge em muitos dos dizeres dos árabes que os atribuem a Hermes.
Do PICATRIX existem manuscritos desde os séculos XV e XVI, na Europa, mas como se viu, a obra datará dos sécs. X-XI, no original árabe.
Das suas fontes constam, além dos que já citei acima, Aristóteles, Pitágoras, bem como, sem os explicitar, sábios persas, hindús e outros árabes ilustres, como Jabir ( que julgo ser o ilustre Geber, muito estudado para a filosofia e medicina ).
O propósito deste tratado é fazer, ao modo de uma enciclopédia, a sistematização dos saberes e doutrinas mais em voga numa tradição hermética que não se queria deixar perder. Picatrix será então um dos melhores elos de ligação entre doutrinas que seriam perseguidas, tanto no oriente como no ocidente, mas que passaram de um para outro ponto geográfico chegando à divulgação que marcará o Humanismo e o Renascimento.

PICATRIX

Para uma história da alquimia, muito completa tendo em consideração a data em que foi publicada a primeira edição, 1957, a minha sugestão de leitura é ALCHEMY, de E.J.HOLMYARD, (reed. Dover, 1990 ).Dá-nos um resumo da alquimia grega, chinesa, islâmica, ocidental, e informa ainda sobre os laboratórios dos primeiros alquimistas, o que é interessante para uma história da química, apresenta os símbolos, e termos secretos e envereda depois pela vida e obra de alguns dos mais importantes alquimistas, como Paracelso, Helvetius e outros.
Temos em Holmyard um excelente guia, o que não impede que se exija a leitura directa das fontes citadas, ou posteriormente divulgadas,para obtermos um conhecimento verdadeiro e mais aprofundado.
Vem isto a propósito do PICATRIX, tratado islâmico dos sécs. X/XI, do qual só recentemente se tornou acessível uma tradução em língua inglesa, da qual darei conhecimento.Holmyard refere alguns dos grandes cultores árabes da alquimia, refere Senior, por ex. (o IBN UMAIL de que já falei no Blog ) e refere ainda este tratado, que já fora conhecido de Rabelais, no seu tempo, que o define como "diabólico" .
Sob o califato de AL-HAKAM II, que reinou em Espanha de 961 a 976, floresceu um notável grupo de eruditos hispano-árabes, entre eles Al-Majriti ( que significa de Madrid, embora na realidade, diz Holmyard, ele fosse nativo de Córdova).Mas viveu muitos anos em Madrid e assim adquiriu esse nome.Educado no oriente, conheceu os "IRMÃOS de PUREZA", sábios cujos conhecimentos ele terá trazido para o ocidente.
É um grande especialista de astronomia, traduz e comenta Ptolomeu, e as suas obras rapidamente circularão em latim. São-lhe atribuídos um tratado de alquimia, "Os Passos do Sábio", e um outro de magia, " O Objectivo dos Sábios". Esta obra de magia será traduzida em espanhol em 1256, por ordem do Rei Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão, de 1252 a 1284. A versão latina, com o nome de Picatrix, tornou-se então muito célebre;( o nome é uma corrupção de Hipócrates,um dos muitos autores citados no tratado).
Rabelais, no Pantagruel, refere-se ao " reverend père en Diable Picratis, recteur de la faculté diabolologique" de Toledo. Assim, brincando, nomes e ideias iam passando de mão em mão.
A atribuição a Al-Majriti, diz Holmyard, deve ser falsa, mas como era usual, o tratado pode ter sido copiado, alterado e aumentado a seguir à morte, em 1007 deste autor.
Quanto ao tratado de alquimia, revela-se de grande interesse pelas instruções que dá ao adepto: estudo da matemática em Euclides e Ptolomeu, e das ciências naturais em Aristóteles e Apolónio de Tyana.O estudo devia ser "aplicado", operando no laboratório, e "teórico" reflectindo sobre as reacções das substancias químicas que utilizasse.
Estava a nascer a ciência química, ainda que sob a forma de um sistema filosófico, por vezes intrincado nas suas formulações.

Sunday, April 23, 2006

Mozart, um iniciado



A imagem representa Mozart revestido das suas insígnias maçónicas de iniciado no Grau de Mestre. Segundo podemos ler em Jacques Chailley," LA FLUTE MAGIQUE, Opera Maçonnique ",1975, é uma pintura anónima do séc.XIX incluída na obra de J.Kuess-Scheichelbauer " 200 JAHRE FREIMAUREREI IN OESTERREICH" .
A Flauta Mágica ( de 1791 / 92 ) é uma das mais importantes criações de Mozart, que nessa obra soube transmitir toda a lição simbólica, alquímica e maçónica conhecida e praticada no seu tempo por artistas com a dimensão de um Goethe, entre outros.Através de uma história de amor, à primeira vista igual a tantas que são narradas nos contos de Fadas, procede-se a uma verdadeira operação iniciática,com a luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, o controle dos elementos terra, ar, fogo, água , a meditação dos tres princípios, o repúdio das pulsões do instinto e da ambição voraz (figuradas em Monostatos) tendo por contraponto moral a doutrina que melhor representava o ideal de Educação e Progresso na época.
Sarastro retira a filha, Pamina, da influencia nociva da mãe, a Rainha da Noite, porque deseja educá-la nos sãos princípios que convêm a um século como o das Luzes.
Apesar de já haver, no século XVIII, Lojas de iniciação feminina, que seriam espaços de emancipação " avant- la- lettre ", ainda veremos, nesta ópera, comentários pouco abonatórios da apreciação da capacidade de autonomia das mulheres.
De qualquer modo trata-se aqui de uma obra de arte do pensamento da época, no tocante à certeza do progresso através de modelos de liberdade, igualdade, fraternidade e respeito mútuo, que levam, por mais do que uma vez a dizer-se, no libretto, que se é um Homem, um Ser Humano (ein Mensch) e que isso é mais do que qualquer outra condição, seja ela de Príncipe ou outra ainda maior que se imagine.
Goethe foi tão grande admirador desta ópera que tentou fazer-lhe uma continuação. Mas seria difícil, como se verificou e acabou com um fragmento, hoje em dia possível de ler, mas francamente pouco interessante. A ópera de Mozart é Obra completa em si mesma, e não haverá outra igual.
O que Goethe fez, com identica sabedoria e mestria foi então o seu Conto da Serpente Verde, publicado em 1795.Aqui assistimos a um mesmo modelo de iniciação simbólica e maçónica, através também do encontro de um Príncipe e de uma Princesa, marcados para propiciar o progresso à humanidade que a transformação da serpente verde em ponte permitiria.

Para aprofundar estas questões sugiro que se leia o Link "Música nas Esferas" de Pedro Moreira, e ainda:
THE COMPLEAT MOZART, A Guide to the Musical Works of Wolfgang Amadeus Mozart, ed. Neal Zaslaw /William Cowdery,1990. É uma obra de fácil e agradável leitura, cheia de informação; e ainda, para a simbólica do Jardim:
A SIMBÓLICA DO ESPAÇO...ed. Estampa,1991.

Monday, April 17, 2006

Madeira Arraes

J. Garcia Font, Alquimia...


A Historia de la Alquimia en Espanã, de Juan Garcia Font,1970, dá uma visão bastante completa de como se desenvolveu na Peninsula a busca do ouro, por via,sobretudo, da alquimia e das ciencias árabes em geral.
Considera Espanha a "porta maior" da alquimia, o que faz sentido se nos lembrarmos que em Toledo se estabeleceu um grande centro de tradução e divulgação do chamado quadrivium de que também a alquimia como medicina ou química faria parte.
Cita Pedro Hispano, que foi Papa com o título de João XXI, e terá nascido em Lisboa em 1210.
Mas para a obra de Pedro Hispano tenho de remeter os estudiosos para a edição de Maria Helena da Rocha Pereira, que desse nosso autor fez a apresentação mais completa que conheço até hoje.
Thorndike, que Font cita várias vezes, deixa entender que P.Hispano poderia ser de Compostela (daí que se intitulasse Hispano ) e não de origem portuguesa.

Está por fazer, de um modo exaustivo, se tal for possível,uma História da Alquimia em Portugal.
Há muita matéria a investigar nas nossas bibliotecas, assim aparecessem curiosos bastantes.
Numa comunicação que apresentei à Academia das Ciências em 1988 faço um pequeno historial do que alguns autores entenderam por alquimia " como sebastianismo da filosofia ", nas palavras de ANSELMO CAETANO, ou como " ciência verdadeira" segundo Jamblico citando Hermes , "que preside à palavra" .
Que a filosofia hermética, ou a alquimia, circulavam em Portugal dese sempre dá testemunho a Livraria de Frei Vicente Nogueira, cuja "Relação", feita pelos Inquisidores que a confiscaram, se encontra na Biblioteca Nacional de Paris, ms. port. 51.
Aqui se podem encontrar as obras de Alberto Magno, Raimundo Lúlio, Giordano Bruno, H.C.Agrippa, Paracelso, G.Dorn, o Theatrum Chemicum, cujos 4 volumes contêm quase tudo o que existe de mais importante nestas matérias, Basílio Valentino, etc.
É certo que em João de Barros, na Ropica Pneuma, encontramos a condenação da alquimia .Mas isso só prova que se sabia do que se tratava, fosse para elogiar, fosse para condenar.
Diz a Razão ao Tempo,comentando os vícios dos maus conselheiros que prejudicam os reis:
" ...E assi nunca mudam a vida nem o estado dela e sempre andam tisnados da conversação desta má alquimia ".
E responde o Tempo:
" Por mais certos e ditosos alquimistas haveria eu aos ministros que ao senhor, ca eles põem vento e o senhor a substância , e da sua perda tiram ganho " .

Claramente se percebe que se trata de transformação, de mudança: com duplo sentido, alquímico nos processos, político nas intenções,em que uns perdem e outros ganham, como sempre acontece em tudo o que é governação. João de Barros sabia do que falava, pois quando se perdia o favor do rei, ou dos senhores, perdia-se também geralmente a cabeça.

Sunday, April 09, 2006

dom Pernety



No Dictionnaire Mytho-Hermetique, Dom Pernety, já no século XVIII enumera todos os nomes de Isis: Ceres, Juno,Lua, Terra, Proserpina,Thétis, Cibele, Mãe dos deuses,Vénus, Diana, Hécate, isto é, toda a Natureza, todo o Feminino,o que fez com que também a designassem por" Deusa de mil nomes" .
Para os filósofos herméticos representava o lado obscuro, lunar, húmido,feminino, da Pedra. Era o Mercúrio, por oposição ao Enxofre,masculino, solar , seco, luminoso, próximo da consciencia, enquanto o Feminino se recolhia nas profundezas do inconsciente, onde seria necessário mergulhar.
São muitas as gravuras onde num vaso, num athanor, se vê o par masculino/feminino (o par de opostos que depois de conciliados, "integrados" constituirá a perfeição da Pedra) abraçando-se num banho mercurial, aquático, e passada essa fase o mesmo par ascendendo ao espaço etéreo do outro elemento primordial, o Ar, que junto com a Terra, a Água e o Fogo constituem na realidade a materia prima de toda a transformação.
Alguns alquimistas preferem experimentar com os três princípios, Mercúrio, Enxofre, Sal (o Mediador), outros com os quatro elementos, mas em todas as descrições e nas gravuras que muitas vezes as acompanham o que ressalta é a chamada de atenção para fases que se sucedem, e por vezes regridem (como nos casos de depressão) podendo haver uma nigredo depois de já ter havido uma cauda pavonis, sinal de grande avanço, pela multiplicidade de cores, como na cauda de um pavão, mas que não tendo sido entendido o processo fazem com que a obra tenha de ser retomada, ainda que com esperança maior.
As cores fundamentais do processo alquímico são o negro, o branco, o vermelho -havendo pelo meio a multicolor cauda de pavão: nigredo, albedo, rubedo, -cauda pavonis entretanto surgindo ou não.
Quanto ao sal, mediador, é a substancia "composta de terra sulfurosa e água mercurial", nas palavras de Dom Pernety.É já em si mesmo um conceito que implica uma base de completude.E por analogia, ajudará o adepto a atingi-la.
Tudo neste imaginário complexo aponta para uma sábia mediação,feita de humildade e paciencia, quando o trabalho exige repetição sem fim.O enxofre ( o fogo ) em excesso mata, porque queima, o mercúrio ( a água ) em excesso mata, porque afoga.
No meio estará a virtude.

O drama cósmico da separação do céu e da terra (do material e do espiritual no homem) é ilustrado desde os tempos mais antigos, como se pode ver em alguns papiros egípcios. Mas a ambição dos alquimistas é devolver o universo à sua unidade primeira.
Consulte-se para aprofundamento das matérias C.A.BURLAND,THE ARTS OF THE ALCHEMISTS,1967.

Saturday, April 08, 2006

Isidis in Athanasius Kircher


A gravura representa a deusa Isis tal como é descrita por Apuleio no BURRO DE OURO.
A deusa é a Grande Mãe, reina sobre o mundo e sobre as esferas celestiais, domina o caminho da Lua, detém o poder da fertilidade.
Também se identifica a Ceres, pois foi ela quem descobriu o trigo, alimento universal.
As inscrições gregas na base da gravura rezam :
" Isis, daimon omnicompreensivo e polimorfo, natureza a que se chama com mil nomes matéria;alba mãe dos deuses, esta Isis de muitos nomes".
Por aqui se vê onde os alquimistas foram buscar o conceito da sua Pedra secreta e sagrada " de muitos nomes", como todos proclamam, como se o único e verdadeiro nome tivesse de ser ocultado para sempre, e só a adjectivação variada pudesse ser admissível.
Athanasius Kircher pertence àquela élite de sábios universais que no século XVII, continuando heranças como a de Leonardo da Vinci e outros, se ocupam de matérias científicas, filosóficas, artísticas e religiosas de tradição gnóstica e alquímica (bebida no Egipto da Alexandria dos primeiros séculos da era cristã) . É um Jesuíta alemão que se instala em Roma, e aí cativa o mundo culto com a imensidão do seu saber, a que não falta a reflexão sobre a música, a arquitectura, a política, etc.
Remeto o leitor para a consulta da edição preparada por IGNACIO GÓMEZ DE LLANO nas edições SIRUELA. Gomez de LLano considera-o um paradigma intelectual que, para além do domínio do saber clássico do trivium e do quadrivium, não se tinha alheado das descobertas e do conhecimento das explorações transoceânicas.
Repare-se que estamos no século de Descartes e da dúvida metódica, que se supõe o conceito fundador de um novo olhar sobre o mundo e sobre o homem ; o predomínio é dado ao "cogito", ao pensamento racional: penso, logo existo.
Ora com este Jesuíta brilha não apenas o pensamento e a consciencia dele, mas também a imaginação, o maravilhoso que o saber universal desde tempos imemoriais conserva e transmite, de uma forma ou de outra.
Kircher, na determinação das ideias que defende ou respeita ao estudá-las, comporta-se, como diz G.de Llano, "como uma espécie, praticamente extinta, de animais intelectuais capazes de harmonizar a mística ...e a observação ao telescópio das manchas solares, de se deslocar para ver in situ uma erupção vulcânica e de utilizar uma  "lanterna mágica" para amenizar a festa que um príncipe romano dá no seu palácio"
Eram imensos os seus conhecimentos de astronomia, mas isso não o impediu de celebrar a harmonia das esferas em modelo pitagórico.
Do mesmo modo o vemos reflectir sobre os mistérios do Egipto, seus hieroglifos e deuses,com destaque para Isis, a mãe de todos eles, o primeiro princípio criador, o daimon, a "força vital" do universo criado.
Isis lunar cedo se tornou objecto de reflexão e inspiração para poetas e adeptos de iniciações ocultas, celebradas em espaços e momentos considerados sagrados, porque ocultos.
A referencia aos muitos nomes é um dado importante, porque aponta para uma das fases primordiais de todo o percurso iniciático : a METAMORFOSE.
Lendo o Burro de Ouro, tratado místico de que se ocupou, no nosso tempo, Marie-Louise von Franz, cedo percebemos que se irá assistir a uma transformação do herói, vitimado sem culpa, como é próprio das figuras míticas, santas ou heróicas.Tinha que ser uma obra que fascinasse alguém como o Padre Kircher.
Sem entrar agora no detalhe do mito de Eros e Psyche,narrado no Conto de Apuleio, termino apenas com as considerações sobre a matéria e o vaso místico feitas por M.L.von Franz no seu estudo:
"A matéria, que nunca fora reconhecida como fazendo parte da divindade, nem pela Igreja Católica nem pela Protestante, sobreviveu de forma escondida na alquimia que é, no seu conjunto, uma tentativa de reunir a alma ao mistério da matéria....Jung estudou a relação da Deusa enquanto anima mundi e tentou recuperá-la para o nível da consciência".
VER: M.L.von Franz, L'ÂNE D'OR,Interprétation d'un Conte,ed. La Fontaine de Pierre,1978

Tuesday, April 04, 2006

Algol



O segredo do chamado "magistério alquímico" é a relação que estabelece com os poderes invisíveis da alma ( a que Jung chamaria as imagens do inconsciente ). Este segredo é transposto pelos filósofos herméticos em Alegorias, um género muito apreciado na literatura e na filosofia (relembro a alegoria da caverna, de Platão) desde os tempos mais antigos.
Os conceitos de meditação (meditatio), e de imaginação (imaginatio), são abordados por Jung em PSICOLOGIA e ALQUIMIA como tendo um significado muito especial.
A Obra só se obtém com a "imaginação certa".
O LEXICON ALCHEMIAE de Rulandus (séc. XVI) ajuda-nos a entender o conceito, ao dizer: "A imaginação é o astro no homem, o corpo celestial ou supra-celestial ".
Esta afirmação é interessante,sobretudo porque indica que se trata, na imaginação, não de um esquema abstracto mas sim
de algo de "corpóreo",como um "corpo subtil", de natureza semi-espiritual.
Não havia, nos tempos de outrora, uma PSICOLOGIA da ALMA empírica, como a estudamos hoje (além de Jung já podemos ir lendo a obra tão estimulante de um António Damásio).
O termo "astro" aplicado à imaginação, remonta a PARACELSO, que o assimila à Quinta-Essencia. E Paracelso refere explicitamente as "forças da alma"(seelischen Kraefte). Estabelece-se deste modo, na tradição alquímica, uma espécie de reino ou de espaço "intermédio" possível; não se coloca a questão do sim ou do não, do físico em oposição ao espiritual; coloca-se,como hoje ,afinal, a questão de que matéria e espírito formam um reino espiritual de corpos subtis, fazendo parte de uma visão de um todo simultâneamente espiritual e material.

Há na alquimia, como observa Jung "problemas muito modernos", que excedem esta área de que me ocupo.
Por isso a deixo , com a imagem de ALGOL, aos físicos e astrofísicos.
Agradecendo ao meu filho MIGUEL.