Elle este retrouvée.
Quoi? - L'Éternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.
Âme sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.
Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.
Puisque de vous seules,
Brises de satin,
Le Devoir s'éxhale
Sans qu'on dise: enfin.
Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.
Elle este retrouvée.
Quoi?- L'Éternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.
Eis a tradução de Augusto de Campos:
A Eternidade
De novo me invade.
Quem ? -A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.
Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.
Das lides humanas,
Das palmas e vaias
já te desenganas
E no ar te espraias.
De outra nenhuma,
Brasas de cetim
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.
Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência
Suplício seguro.
De novo me invade.
Quem? - A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.
Como em qualquer tradução, há que ter um pouco de liberdade, por questões de ritmo ou de rima.
É o caso, nesta tradução, o que não impede que seja um belíssimo exercício.
Mas para o que pretendo agora decifrar no poema, as imagens que têm poder alquímico, preciso de citar alguns versos de um modo mais literal.
Assim, na primeira quadra:
Reencontrei.
O quê?- A Eternidade.
É o mar fugido
Com o sol.
Posso então trabalhar sobre esta imagem do mar com o sol - ambos fugidos (entenda-se em conjunção).
Sendo que esta conjunção de mar e sol, de água e fogo - simbolizam a Eternidade de que Rimbaud nos fala.
Na quadra seguinte um outro momento refere a noite e o dia - outro par de opostos que o poeta coloca em contraposição na alma ( anima). Aqui a tradução de A. Campos permite leitura alquímica, aludindo ao "jogo" que é na realidade a contraposição de opostos, embora o poeta fale de "confissão" e não de jogo; mas é na realidade um jogo" confessado" este da experiência alquímica vivida no segredo da alma do poeta.
A alma voa, ao acaso, como é dito a seguir. E ainda, que não haverá orientação, ou seja indicação do caminho, pois cada um terá de descobrir e seguir o seu, até à revelação desejada.
Recordemos o que Gurnemanz diz ao jovem e perplexo Parsifal quando este o interroga àcerca do reino do Graal e do significado deste vaso:
"não há caminho que para lá conduza..."; e adiante: " o tempo aqui torna-se em espaço".
Do mesmo modo neste poema sobre a Eternidade, a iluminação será dada a cada um segundo o seu mérito de ciência e paciência: ao entender-se que os opostos, neste jogo, se completam e se unem, como o dia e a noite, o mar e o sol, ou a água e ofogo, - elementos muito do agrado de Rimbaud, noutros poemas que podemos ler em conjunto com Marine, pertencendo ao conjunto das Illuminations ( 1873): neste poema em verso livre, toda a imagética é simbólica e alquímica no "casamento" apontado de terra e mar, de carros e de proas de barco fendendo as ondas e arando a terra, num movimento circular em direcção a Oriente (o Oriente da alma) aos pilares da floresta (de novo a terra) às pedras do molhe ( de novo o mar) - em cujos ângulos de cruzamento se projectam turbilhões de luz ( de novo a Revelação, a Eternidade, que é só luz).
Sabemos que na antiguidade se praticou um culto em que Neptuno, deus do mar, surgia na praia como divindade terrestre, com um arado e arando a terra entrava pelo mar dentro. Celebrava-se deste modo a dupla realidade de um deus primordial, elementar.
Os poetas, ainda que sem o saberem, ou talvez por ter visto alguma representação (como Pessoa diz que aconteceu com ele, no caso de O Menino de sua Mãe) exprimem, na sua linguagem simbólica, experiências da alma, arquetípicas memórias de arquivo do nosso inconsciente.
Iremos encontrar em Chuva Oblíqua, o poema interseccionista de Fernando Pessoa, o mesmo jogo complementar de opostos, com um porto infinito, velas de navios, cais e árvores antigas avistadas ao longe; e ainda, a sombra de um lado da paisagem em contraste com o sol do outro lado... e só para dar mais um exemplo a afirmação de um eu que, "liberto em duplo" se abandona da paisagem abaixo, caindo como Alice pelo poço profundo da alma, saindo da realidade exterior para o mais íntimo da sua realidade interior ( a da infância, segredo de todas as descobertas).
Remeto, no caso deste poema de Pessoa, para a obra Fernando Pessoa.Tempo.Solidão.Hermetismo, com Stephen Reckert, Lisboa, 1978.