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Wednesday, October 19, 2011

O QUE É A INICIAÇÃO ?



Descubri por acaso uma pequena editora que se propõe divulgar temas herméticos, como este da Iniciação, dos símbolos maçónicos e outros semelhantes, através de livros de baixo custo, acessíveis a qualquer um que se interesse por aprofundar os seus conhecimentos de simbologia e alquimia (no fundo é a simbólica alquímica que está na base destas matérias que no ocidente surgiram a partir da Idade-Média e foram sendo absorvidas por diferentes movimentos e doutrinas, como as maçónicas.
A editora é a MAISON DE VIE ÉDITEUR.
E o pequeno livro a que me refiro, da autoria de François Ariès e Anne Ménestier, QU'EST-CE QUE L'INITIATION?, (2010).
Os autores são maçons, daí que sublinhem o espírito de irmandade, ou de fraternidade (se nos reportarmos aos ideais dos Iluministas franceses, que conduziram em parte à Revolução de 1789): Liberté, Égalité, Fraternité.
Parece uma contradição: pois o caminho da espiritualidade, conduzindo a uma revelação que é individual, mística e dificilmente partilhada com quem não viveu experiência igual, poderá desenvolver no indivíduo um olhar mais fraterno sobre o seu semelhante, mas não poderá torná-lo idêntico a si mesmo, nem à nova Liberdade, puramente interior, que terá adquirido pelo caminho.
A Iniciação é uma proposta de caminho a percorrer em conjunto, segundo estes autores. E de acordo com o modelo de que eles são participantes activos.
Mas na realidade a simbólica maçónica, bebida em rituais antigos, em parte na cultura egípcia (a grande voga do século XVIII na Europa culta) e em parte nos tratados de alquimia orientais e ocidentais que desde a Idade-Média foram chegando até nós - não esgota o imaginário da transformação que já no século II-III da nossa era, em Alexandria, se tornava patente em filósofos herméticos como Zosimo.
Os autores salientam neste opúsculo "que o espírito de corpo vivido numa fraternidade (entenda-se numa Loja Maçónica) ligada à construção dum Templo" conduz a mutações incessantes. Mas o que são elas?
Individuais, por certo; sociais e políticas também: pois onde se ergue um Templo se constrói uma civilização.
Contudo há uma diferença grande, entre esta Utopia (do indivíduo ancorado numa sociedade secreta emulando o Antigo Templo, a antiga Sabedoria, que se perdeu para sempre, segundo a lenda) e a meditação constante e renovada dos antigos alquimistas.
Para estes o templo é o seu próprio corpo, a sua própria consciência num TODO de razão e emoção, consciência e inconsciente, sendo que é deste fundo obscuro que todos os símbolos nascem, se formam e transformam, levando à própria transformação do adepto: ele é o Templo, e é nele que a busca se torna operativa.
Curioso acaso, recebo hoje a informação, das Edições Moleiro, que foi lançado o fac-simile do Splendor Solis, obra maior de Salomon Trismosin, que conhecemos como autor de La Toison d'Or (edição francesa de 1612, a partir do texto alemão de 1598); trata-se da mesma obra que em edição mais modesta foi publicada em França pela Bibliotheca Hermetica, em 1975, na colecção dirigida por René Alleau (grande erudito que é bom recordar).
As iluminuras são deslumbrantes, ricas de simbolismo e acessíveis pelo google a uma seriação completa, podendo nós ficar em contemplação perante qualquer delas durante todo o tempo necessário.
Compreendo e acho estimável o esforço dos autores do pequeno livro que pretende, e isso é dito logo de início, apenas dar testemunho de uma iniciação pessoal que se considerou feliz.
Está muito bem.
Mas fazem falta referências, verdadeiras propostas de leituras, como esta de Trismosin que deixo aqui, já que mãos sabedoras o trouxeram de novo ao convívio dos adeptos curiosos.
A sabedoria alquímica, humilde, paciente, transformadora é a que mais falta nos faz a todos, nestes dias presentes.

Wednesday, August 24, 2011

O Sal da Vida

Hesitei em trazer para aqui este sonho-poema que transcreve com fidelidade o que se passou nesta chegada de alguém, um estranho, que fica à espera que alguém, eu, neste caso, lhe dirija a palavra perguntando se deseja alguma coisa.
E ele responde, directo e com simplicidade (os sonhos são assim, falam claro; a questão é depois dar sentido ao que nos deixam dito).
Desde que transcrevi o sonho-poema - é o relato de um sonho, mas não deixa de ser poema- que procuro entender a "lição".
Entendo em parte: é pedido sal, o sal da vida, o sal que nos três princípios alquímicos de enxofre, mercúrio e sal, serve de medianeiro transmutador. Sem ele nada acontece.
Mas há ali algo mais, e nisso tenho ficado a pensar, dias e dias a fio; continuo intrigada. O sal que fui buscar não estava limpo...tinha coisas lá dentro, pegajosas, que fui tirando...
Eis o poema, quem sabe alguém se reencontra nele ou me diz qualquer coisa.
Perdi há anos o meu alter-ego leitor, clarividente, eis-me cega neste momento para as ajudas que sempre julguei ter.

O SAL
Chega o Desconhecido
na sala aberta
fica de pé
encostado à parede

olha à volta
e aguarda

pergunto
deseja alguma coisa?
ele acena e responde:
sal

sal? repito eu
com algum espanto

sim

procuro a caixa grande
para tirar o sal
que lhe vou dar

o sal não estava branco
havia coisas lá dentro
escuras
pegajosas

remexi com as mãos
para limpar

dirão é bom sinal
o sal purifica
protege

mas eu hesito:
mesmo assim
estando sujo?

Numa leitura alquímica o sentido é aparentemente simples: purificar o negro, sublimar a matéria imperfeita; mas na vida...
Aqui deixo o enigma aos meus leitores. Quem sabe se me ajudam.

Thursday, January 28, 2010

S.Tomás de Aquino


I
Poucos saberão que o Doctor Angelicus, do Fausto de Goethe, supremo guia na ascensão do herói às mais altas esferas celestiais é uma referência a S. Tomás de Aquino que, na SummaTheologica, se afirmou como supremo sistematizador do pensamento teológico e filosófico do seu tempo, o século XIII.
Discípulo de Santo Alberto Magno, em Colónia e em Paris, não seguiu por completo, segundo os exegetas, a tendência do pensamento neo-platónico do Mestre, procurando na racionalidade de Aristóteles uma primeira compreensão do homem, do universo e de Deus.
Outros saberão ainda menos que posteriormente lhe serão atribuídos Tratados alquímicos: a Aurora Consurgens, de que se ocupou um erudito como Bernard Gorceix, traduzindo a obra para francês (L'AURORE À SON LEVER) e Marie-Louise von Franz, discípula de Jung e colaborando com ele (no terceiro volume de MYSTERIUM CONIUNCTIONIS).
Há ainda um outro pequeno conjunto de tratados, DA PEDRA FILOSOFAL e SOBRE A ARTE DA ALQUIMIA que na tradução para castelhano inclui um prefácio de Gustav Meyrink, teósofo austríaco do século XX (com obra de ficção em que expõe as doutrinas ocultas das várias vias místicas, ocidentais e orientais, que conheceu e praticou).
Este mês de Janeiro é o mês de S.Tomás, por isso me ocorreu recordar o seu nome e parte da sua obra, genuína e/ou atribuída.
Uma das palavras-chave da sua doutrina - que o será em toda a doutrina dos Dominicanos, como dos Franciscanos- é a palavra caridade (bebida em Santo Agostinho). O propósito, na elaboração da doutrina de Alberto Magno é conseguir uma relação sólida entre a experiência filosófica e teológica de raiz aristotélica e a visão mística de raiz platónica.
A teologia, para Alberto Magno como para Tomás de Aquino tem de estar em relação directa com a mística, preparando a contemplação da divindade, na manifestação da sua glória.
Contudo, mesmo ao místico a essência do divino não será revelada, pois, citando as palavras de Deus a Moisés: "o meu rosto não poderá ser visto". Ao místico é concedida a imagem no espelho, o reflexo, o efeito da manifestação de Deus, mas não Deus -ele-mesmo.
Tomás de Aquino, confiante, com Aristóteles, na capacidade ilimitada do entendimento humano, dirá que o homem"é capaz de Deus": capax Dei.
O que não o impede de mergulhar no estudo das Escrituras para, junto com os outros estudiosos e ascetas, encontrar uma via de sistematização dos conteúdos do que se chamava "a palavra divina", que na realidade era, como ainda é, múltipla e complexa, aberta a muitas e variadas divergências.
Tomás de Aquino procura "a luz da sabedoria divina". Segundo os estudiosos da sua obra há no seu vocabulário três palavras essenciais: beatitude, contemplação, amor.
Podemos entender este amor como sinónimo da caridade em Santo Agostinho, pois o verdadeiro amor é sem dúvida uma forma de caridade, ou de piedade absoluta em relação ao outro, sob a forma de total entrega e aceitação.
É discutindo o sentido da que Tomás de Aquino pretende universalizar a ideia do conhecimento possível de Deus por parte do homem: o homem é .
Esta capacidade funda-se no desejo profundo, no apelo, na aceitação do que a Vontade Suprema lhe imponha ( mesmo que seja a noite escura de São João da Cruz... ou do grande lamento de Job no Antigo Testamento).
À impossibilidade reconhecida pelos seus pares de que o homem, na sua vida, na sua materialidade carnal, pudesse aspirar ao conhecimento e revelação da essência divina, contrapõe Tomás de Aquino esta ideia de que tal seria possível: pela Fé.
Contraria deste modo uma verdade do tempo que santos, místicos, gnósticos, não punham em dúvida. Declara que pela fé a todos os homens é dado chegar ao pleno conhecimento de Deus, pois tal é o seu destino último, a beatitude eterna, ainda que não participe dela nesta vida. A via da contemplação prepara-se neste mundo e terminará depois no outro, "nas vivas chamas do amor".
Devíamos começar por ler o CÂNTICO DOS CÂNTICOS, obra de beleza inegualável e que reza a lenda terá sido a que Tomás de Aquino comentava dirigindo-se aos seus alunos, já no leito de morte.
Os seus comentários são eles próprios uma forma de revelação do Belo e do Amor que se apossam da sua alma, tornando mesquinhas as outras considerações que tantas vezes fizera ao discutir a natureza de Deus. O Belo, o desejo do Belo, variante do Amor que já fora citado - era esse o supremo segredo, a suprema revelação, o rosto oculto de Deus.
Era luz e era treva, essa forma divina, energia em busca da materialidade a sublimar, uma vez (re)conhecida.
Conhecer era na verdade reconhecer - por via da Iluminação recebida e quem sabe se apenas possível no seu leito de morte.
II
A Aurora Consurgens, que traduzo por A Aurora Nascente, é uma atribuição, mas são muitos os dados citados por Marie Louise von Franz e retomados por Bernard Gorceix que nos permitem pelo menos situar o tratado na época em que S.Tomás viveu, o século XIII. M.L.von Franz propõe como data de redacção c.1230. E justifica-se pelo facto de nele não serem referidos autores célebres dos séculos posteriores, apesar da muita divulgação na Europa culta. A Aurora cita exclusivamente obras do século XII ou quando muito do início do século XIII.Não chega a abordar Geber, Arnaldo de Vilanova, Raimundo Lúlio, outros. Reporta-se a um conjunto de autores que representam o primeiro florescimento de uma alquimia ocidental cristã, logo a seguir aos textos dos primeiros alquimistas gregos conhecidos ( no caldo cultural de Alexandria).
Do meu ponto de vista (o que talvez explique o secretismo com que os manuscritos circularam) é mais interessante a referência aos filósofos árabes que o ocidente naquele tempo estuda e imita, como Razi (ou Rhasès), Avicena (Ibn Sina), o príncipe Calid, Senior (cujo verdadeiro nome é Ibn Umail) do que propriamente a célebre Turba dos Filósofos ou mesmo a Tábua de Esmeralda.
O tratado conhece a sua primeira impressão em 1625, mas isso não significa que não seja anterior; von Franz dedicou anos de investigação em busca dos manuscritos que acreditava existirem, por força do conteúdo das matérias, que não eram recentes pois nada da época do Humanismo e Renascimento continham. Sabemos hoje que na Biblioteca Nacional de Paris se encontra um ms. que é uma cópia do século XV, oriunda da abadia de Saint-Germain-des-Prés; que existem igualmente, fragmentos ou ms. completos em Viena, Veneza, Zurique, Leyden, Bolonha, Londres.A esta insigne investigadora se ficou assim a dever a edição crítica moderna, de 1957, com que se "fecha" a obra magistral de Jung já referida, Mysterium Coniunctionis (O Mistério da Conjunção).
Para os psicanalistas o texto representa uma espécie de "drama psíquico", produto do inconsciente, dando conta da complexidade e contradições profundas de uma personalidade como a de S.Tomás de Aquino, ao mesmo tempo místico, visionário, e homem de formação aristotélica difícil de conciliar com tais características. Um teólogo ordenador do pensamento que enfrenta a experiência de que nem tudo no pensamento, e ainda menos na emoção, pode ser regulado.
Há momentos especialmente significativos deste ponto de vista, bebidos na Bíblia (O Antigo e o Novo Testamento eram fonte suprema, como se pode calcular) de Joel sobre a urgência da conversão, de Jonas sobre o naufrágio da alma, dos Salmos sobre a corrupção da terra, o pântano dos abismos, ou do Evangelho de Lucas sobre as trevas que cobrem o universo. Entrecortando estas descrições, de puro apelo e terror, numa montagem que Gorceix compara às de um puzzle, surgem então as visões de um alquimista que transformam, citando ainda Gorceix, "a cosmologia cristã numa cosmogonia alquímica". Com os alquimistas o "temor de Deus" transforma-se em "ciência de Deus", e por aí diante, em numerosos exemplos de subtis transformações e citações.
Não é por acaso que a obra se estrutura numericamente no 12, 5, e 7.
12 capítulos, contendo 5 alusivos às afinidades entre a Sabedoria do crente e a ciência do filósofo (entenda-se filósofo hermético, ou alquimista); e 7 outros capítulos que são parábolas, visões alusivas a um imaginário em que a devoção ortodoxa e a revelação alquímica se defrontam e fundem ( ou confundem). Os temas alquímicos sobrepõem-se à descrição de um universo criado por Deus de uma determinada forma, numa determinada ordem, da luz saindo das trevas e de uma matéria de que o homem viria a ser criado, à imagem de Deus. Ora é esta mesma imagem de Deus, do universo e do homem que na alquimia é alterada, disso dando testemunho este tratado.
12 são os signos astrológicos, 7 os planetas que interagem com eles, 3 os principios que na arta alquímica tudo definem.
Podemos dizer, com Gorceix, que esta obra pertence à tradição dos Livros Sapienciais:
" O culto da Sapiência divina, depois de ter florescido no Egipto e na Mesopotamia, desenvolve-se no Antigo Testamento. Dos Provérbios ao Eclesiástico todos os livros ditos sapienciais se referem à transcendência da amiga 'como uma esposa de Deus'; ela participa da natureza divina, preside à criação e ao governo do mundo, ela é a condutora do crente".
Ora quando a alquimia, pela mão dos árabes, passou do oriente ao ocidente, depressa absorveu estes elementos fecundos da tradição cristã. E todos os eruditos concordam em que tal se verifica já neste primeiro testemunho, tão belo e inspirado, do tratado da Aurora, no século XIII da nossa era.
O sopro da sua prosa poética é de grande elevação e hermetismo.
Ainda que nem tudo seja de fácil acesso ao leitor menos entendido, muitas das imagens e descrições mais fortes viverão comnosco, no nosso imaginário, alimentando o nosso inconsciente, tal como aconteceu ao anónimo autor que dizem ser S.Tomás.
III
Fiquemos com um excerto do capítulo 12, a parábola 7 e a riqueza do seu significado.
Estamos aqui perante o segredo da União, da Conjunção, da fusão dos opostos, que o rebis alquímico, na imagem acima colocada, representa.
O universo é um todo, a sua energia é feminina e masculina, feita de treva e luz, razão e emoção, discurso e iluminação. M.L.von Franz falaria da revelação da Anima no autor do tratado, como Goethe no Fausto falará do Eterno Feminino, soma de Beleza, Caridade e Amor ( sua mais secreta e íntima descoberta).
Tal como no Cântico dos Cânticos é a Amada que fala:
"Que direi então ao meu bem-amado? Eu sou a mediadora dos elementos, eu reconcilio os contrários. Arrefeço o que é quente e vice-versa. Humedeço o que é seco e vice-versa. Amoleço o que é duro e vice-versa. Eu sou o termo. O meu bem-amado é o princípio. Em mim se escondem a obra inteira e a ciência toda, a lei no sacerdote, a palavra no profeta, o conselho no sábio.
Farei viver e farei morrer, da minhamão ninguém se liberta. Ao meu bem-amado estendo os lábios, ele apertou os seus contra mim, ele e eu formamos um só: quem nos separará do amor? Ninguém, nenhuma força. Porque o nosso amor é forte como a morte!"
Adiante, num tom igualmente exaltado de paixão, chegaremos à frase que exprime o segredo mais bem guardado de toda a alquimia:
"Eis como é doce, como é agradável viver dois em um! Ergamos então três tendas para nosso uso, a primeira para ti, a segunda para mim, a terceira para os nossos filhos! Uma corda tripla resiste melhor! ".
O mistério do dois em um, de que se formará o três em um (pois que em apertada união, a tripla corda) aponta para o outro mistério da Tábua de Esmeralda, "o que está em cima é como o que está em baixo...." redefinindo o olhar que se tenha sobre Deus e o universo criado: dois em um igual a Tudo em Um, o Um e o Todo da serpente ouroboros primitiva.
Ainda que podendo ser excessivamente hermética, evocarei o Axioma de Maria Profetiza: do um nasce o dois e do dois nasce o três como quatro (quarto...)...sendo este, na doutrina de Jung, o número da completude - seja humana, seja divina...
Deus também tem a sua Anima, a sua Shekinah, disso poderemos falar noutra altura.



Wednesday, June 24, 2009

O Ovo filosofal



 Em Junho, mês de transição, encontramos o rebis hermafrodita com o ovo filosofal.
Veja-se como em Julho a obra progride:
sobre o vaso hermético o carro de Mercúrio, puxado por galos, anuncia a aurora: o esplendôr da renovação. 

Tuesday, October 21, 2008

Os Mochos e as Marcas Alquímicas em Bosch e Magritte




Será útil, para esta nossa apreciação, considerar a Metáfora Viva, no sentido em que Paul Ricoeur a entendeu (La Métaphore Vive, ed. du Seuil, 1975).
Aqui, nesta aproximação alquímica de dois grandes pintores e suas metáforas, não se tratará nem da forma da metáfora, nem do seu sentido, mas da sua referência, ou seja da realidade exterior à linguagem.Se é certo que a metáfora tem o poder de redescobrir e re-descrever a realidade não é menos certo que a sua proposta  é aberta, multidisciplinar, podendo ir da poesia à filosofia, passando por outras artes, como será o caso.
O mocho, na Grécia antiga, era a figuração animal de Atropos, a Parca encarregue de cortar o fio do destino.Também no antigo Egipto o consideravam, por ser animal nocturno, uma representação da morte. Como animal mítico é um dos mais antigos símbolos da tradição chinesa, ligado ainda ao trabalho do ferreiro no fogo em que forjava a sua obra.Em resumo, é nefasta, para a maioria dos povos, a simbólica desta ave.É da Idade-Média que se recebe, nos tratados de alquimia e em alguma pintura, como a de Bosch, a herança e a memória da simbólica lunar desta ave, que tanto pode ser desejada como temida. Pois a  dada altura, na tradição popular em França, surgem os contos do mocho-sábio, em que a maturidade dos seus discursos e exemplos o tornam numa figura de cariz positivo.Assim veremos que a marca do negro é a marca do início, na alquimia, da obra de transformação. E no Bestiário alquímico pode surgir o corvo negro, mas podem surgir corujas ou mochos com idêntica função: de indicar um caminho que será de recuperação de uma totalidade perdida, outrora, na Queda, mas desejada agora, e talvez ao alcance de quem seguir as boas práticas herméticas...
A alquimia tem um corpo: a natureza ; e uma alma: o andrógino mítico.
O que se pretende no exercício desta Arte é recuperar esse Todo, essa Unidade, de que se guarda uma memória mítica, inconsciente.O mocho que Bosch representou está a coroar um ser oculto, de quatro braços e quatro pernas, surgindo de uma flôr ou de um fruto vermelho.Clara figuração do Andrógino hermético, perdido algures no Éden onde tudo se perdeu com o primeiro pacto, feito pela Serpente com o par primordial, Adão e Eva, criados à imagem e semelhança de Deus.No quadro de Bosch é pelo sexo que o par aparenta estar ligado: o que faz todo o sentido, pois foi pela descoberta do sexo e da sua diferença, tornando-os em um e outro, quando antes eram um Único, que a Queda primordial se verificará, com o castigo e a expulsão do jardim do Éden.A figuração de Bosch é ambígua. Está nesse mocho a punição ou o prémio? Metáfora da morte ou da sabedoria? (Saber que se foi uno, que se foi unido, como no mito do Banquete de Platão). Realça-se o castigo ou aponta-se a possível redenção, que virá do aprofundamento do saber?
Não temos de concluir, apenas de reflectir sobre as possibilidades que se abrem. No Jardim das Delícias ( c. 1510) o pormenor do mocho situa-se à direita do observador, na metade inferior do quadro. É preciso descobri-lo, ao contrário de outros pormenores que são mais evidentes, situados no centro da tela, forçando uma determinada ordem do olhar a partir deles.No painel central vemos um globo atravessado por uma torre de 3 pilares ( os 3 princípios, enxofre, mercúrio, sal?); a torre tem em redor 5 flores em forma de vaso alquímico (athanor) em cujas folhas pousam pássaros, emblemas da volatilização ou sublimação aguardada; o topo da coluna é também ele uma flôr-vaso, ou vaso-flôr, com um pico que aponta para o céu. O mito de Babel está aqui apontado, como supremo perigo de desordem fatal, a ser evitada, ultrapassada por sabedoria superior, que passa pela humildade e não pela arrogância do que se julga poder ser, ou fazer.
Ao adepto é exigida humildade.O globo está semi- afundado numa água  fervlhando de criaturas inquietantes, multiformes, multicoloridas, incluindo formas humanas em Conjunção, mais explícitas do que nas gravuras alquímicas conhecidas. Há uma atmosfera malsã em toda a cena, apesar da imagética alquímica utilizada. Bosch descreve aqui o Jardim do Éden como o grande laboratório de Deus, com a sua obra múltipla de expansão e dispersão marcada mais pelo sofrimento e pela tortura do que pela transformação luminosa desejada. É o Jardim de que se cai, terreal,  e não o Jardim da salvação futura, celestial. 
Cornelius Agrippa de Nettesheim fala de uma "melancolia imaginativa, racional e mental", considerando esta última como a mais importante.A alquimia bebe nestas três formas havendo, conforme a inclinação de cada adepto (artista) a evidência maior de uma ou outra. De Durer se diz que exprimiu a melancolia "imaginativa", mais do que as outras. Também ele era conhecedor da alquimia.Este imaginário, esta metaforização, continua pelos tempos fora, e é Magritte, nos tempos modernos, um dos exemplos mais interessantes que podemos encontrar. Com os seus mochos, claro, entre outras coisas.
O poder do sono e do sonho é algo de bem conhecido e trabalhado pelos pintores Surrealistas e Metafísicos. Na obra de Magritte há muita magia e sedução, desta que esses movimentos desenvolveram com as suas práticas artísticas. Magritte, ainda por cima, inspira-se por vezes em imagens-ideias que podemos, antes dele, encontrar em Bosch: é o caso dos desenhos a pena do homem-árvore, por exemplo e outros, como o intitulado "O campo tem olhos, a floresta tem orelhas" . Busque-se em Magritte e encontrar-se-ão variantes.
Mas queremos os mochos.
O quadro a que me vou referir, Les Compagnons de la Peur é de 1942 e já diz muito no título: medo da morte, em plena guerra, com a sua mão de treva espalhada pelo mundo.Neste óleo podemos ver grandes mochos em pose hierática, entre arbustos com que se confundem pela côr verde acastanhada; são formas emanadas da natureza, como que nascidas dela, de modo aterrador. Pois todo o mal vem também da natureza.É importante o número dos mochos: 5. Magritte, companheiro de escola dos surrealistas conheceria bem a simbólica dos números.A soma é o 5 da quinta-essência, da perfeição, mas para os harmonizar ou os pequenos crescem ou os grandes diminuem...haverá, é certo, como em tudo na vida, um tempo para crescer, outro para diminuir.
Magritte, como Breton e outros da mesma Escola, acreditava nos mecanismos do automatismo criador do inconsciente. Nos Écrits complets de René Magritte, André Blavier sustenta que, embora o artista o negasse, há marcas do exercício do cadavre-exquis nas suas obras.Magritte afirmava gostar de "criar o desconhecido com coisas conhecidas", algo que fazem todos os grandes, como ele, pois o conhecido é a base de que se parte. Como metaforizar, criando, aquilo de que nunca houve marca, anterior ou recente? A definição que o artista nos dá de surrealismo é importante para o nosso ponto de vista, da ligação da sua obra ao imaginário tradicional alquímico:
" O Surrealismo é o momento em que já não há contraste algum entre o alto e o baixo, entre o branco e o negro" (La Ligne de Vie, 1955). É pois o momento da plena fusão, da plena união de consciência e inconsciente, que os alquimistas definiam como coniunctio, conjunção de opostos, que Jung e Marie-Louise von Franz estudarão no célebre volume do Mysterium Coniunctionis (Rascher 1956), Bíblia dos estudiosos.
A fusão dos opostos apaga o eu, o tu, o outro, que pode ser a treva do centro, pois na indiferenciação que se verifica o que passa a existir é a relação,  a harmonização das diferenças. 

Sunday, July 08, 2007