Monday, July 30, 2012

My Name is Red



Certo dia num almoço de amigos alguém falou de romãs e romãzeiras. Disse um: eu acho que a romã simboliza a pureza...
Não contrariei, pois há muitas formas de pureza e até a imperfeição pode caber numa delas.
Ele queria aludir a S.João da Cruz, para quem o simbolismo da romã apontava para a Igreja, vista como fruto de muitos bagos generosos, os fiéis, os crentes, que dentro dela cabiam.
Mas na realidade o simbolismo da romã é mais ligado à vida, à fertilidade, à reprodução que, na mística persa, por exemplo, assume a forma explícita e sensual dos seios da mulher.
Há outras tradições: na Grécia antiga a romã é um atributo de Hera e de Afrodite; e nos casamentos dos romanos a cabeça da noiva ia enfeitada com ramos de romãzeira.
Já num exemplo oriental se diz num ditado que a romã quando se abre deixa sair cem crianças. Aqui é bem claro o simbolismo sexual, mais do que sensual.
É na mística cristã que o simbolismo é transposto e espiritualizado : o fruto, por ser redondo, alude à perfeição e eternidade divinas, os bagos, por serem múltiplos, aludem aos efeitos inúmeros e aos inúmeros fiéis que desses efeitos da acção divina resultam, e finalmente o sumo, doce e suave, representa o gozo supremo da alma que em êxtase se entrega ao amor e conhecimento de Deus.
A romã pode então ser considerada um símbolo emblemático dos mais altos Mistérios divinos, seus Juizos, sua Grandeza.

Mas também, tal como a maçã, pode ser ligada à Queda e ao Pecado, por força de um tabú que se quebra, de uma tentação em que se cai, com consequencias irreparáveis.
Perséfona conta à mãe que foi seduzida contra sua vontade depois de ter comido um bago de romã (no hino homérico a Deméter). E assim ficará condenada a passar um terço da sua vida no Hades. Por sua vez os sacerdotes de Deméter, nos ritos iniciáticos dos grandes Mistérios, seguiam em procissão coroados de ramos de romãzeira : símbolo de fecundidade, a romã facultava a descida das almas ao corpo, à carne dos vivos, e daí que se tornasse tabú, não podendo os seus bagos serem comidos em actos não sacramentais.

Termino com um verso turco, que nos levará a Pamuk: a noiva é como uma romã fechada.
Quem tiver lido O meu Nome é Vermelho, romance sensual e misterioso que decorre numa Turquia de outros tempos, encontrará, no capítulo 7, I am called Black, Chamam-me Preto, a subtil descrição de um furtivo sinal de amor, que terá lugar quando o herói passar a cavalo diante de uma romãzeira que se encontra no caminho. Um amor que pertenceu a um passado longínquo, mas cuja emoção se mantém intacta como no primeiro momento. Nem traduzo, para que a lingugem não perca o seu sabor ( sendo que também aqui o sabor é tudo ):
" My heart was racing, my mind was overcome by excitement, my hands had forgotten how to control the reins.Where was the pomegranate tree? Was it this thin, melancholy tree here? Yes! After twelve years, I saw my beloved's stunning face among snowy branches, framed by the window whose icy trim shone brightly in the sunlight."
Comprimi um pouco o texto, porque Pamuk escreve lento, minucioso, para quem tenha todo o tempo para ele e só para ele, e a nossa vida é hoje bem mais apressada. Mas ali está a romãzeira do amor, do desejo, consumado ou não, de que a árvore ainda que invernosa e melancólica dará perene testemunho.
Pamuk bebe nas suas tradições a universalidade dos seus símbolos. Recria um ambiente que é o próprio das lendas das Mil e uma Noites. A sua alquimia é a mais pura, é a dos sentimentos, das almas que se procuram : sabiamente o pai da amada de Black lhe tinha dito, como que por acaso:
" sabias que depois da morte as nossas almas poderão encontrar os espíritos dos homens e das mulheres, neste mundo, enquanto dormem sossegados nas suas camas? "
"Não, não sabia".

Aludiu-se aqui à dimensão dos sonhos arquetípicos que universalmente existem, nos habitam, fazem a ponte entre os dois mundos, o dos mortos e o dos vivos, deixando talvez antever que tanto faz- em meio simbólico- estar vivo como estar morto ( para o herói algo de assustador).
Pamuk não se exime a falar de alquimia: das cores, desde logo, mas sobretudo do pensamento que tudo transforma.
Recomenda-se a leitura, comendo ou não as romãs.

18 comments:

alambique said...

Curiosamente, foi a entrevista dada por Maureen Freely, tradutora de Orhan Pamuk (http://youtube.com/watch?v=QP3M864st6s) que me fez nascer a vontade de o ler .E fiquei com pena de não poder ler o original e a tradução inglesa, para melhor apreciar não só a obra como o respeito desta senhora pela obra.
Quanto às romãs, sempre me seduziu o seu poder simbólico. Não é uma romã que a virgem Maria equilibra numa mão, enquanto segura o filho na outra, à semelhança de Hera Argeia que, sentada no trono, convida à contemplação do milagre do parto? É que também ela (virgem) comeu da romã, ainda que o acto seja poeticamente sublimado na descida do Espírito de Santo sobre ela, tal como outras , virgens, também elas Marias, eram fecundadas por divindades que assumiam formas animais. Também ela comeu os bagos de romã provados por Perséfone e que fazem com que esta passe um terço da sua vida no «mundo dos mortos»; um terço da vida ou os nove meses da gestação para que a vida renasça.
Também Eurídice comeu romã e por isso ficou retida no mundo subterrâneo, segundo os mitógrafos Helénicos.
Em THE WOMAN’S ENCYCLOPEDIA OF MYTHS AND SECRETS, de Barbara G. Walker, podemos ler: «”Rimmon”, “pomegranate”, was a biblical name of the Goddess’s genital shrine, from “rim”, “to give birth”» (lamento a confusão de aspas mas à falta de itálico…
E Shulamite convida Salomão para beber do sumo da sua romã, no quarto de sua mãe, a lembrar a renovação da vida e sucessão de gerações por via matrilinear.
Votos de uma boa semana

Yvette Centeno said...

Toda a memória antiga nos remete para os ritos e cultos de fertilidade, em relação com a Terra-Mãe, a Grande -Mãe de que as divindade ao fim e ao cabo derivam, com os seus diversos rostos; mesmo as divindades masculinas, Orfeu, Diónisos.
Seria interessante ler o BURRO DE OURO de Apuleio, obra que também interessou M.L.von Franz.
Tudo nessa obra se prende com a metamorfose e seus ritos, com os segredos de Eleusis e neste caso a simbólica da rosa, em vez da romã.Há tradução portuguesa.

alambique said...

agradeço a sugestão; já li ambos e fascinou-me, na altura, a leitura de Marie-Louise a propósito, sobretudo da parte relativa a Eros e Psyche. O que me levou, depois, a outro autor que também me encantou: Erich Neumann. Permito-me destacar «Die Grosse Mutter» e «Eros und Psyche».
De Marie-Louise von Franz li quase a totalidade da obra; lamento, apenas, que, sendo ela mulher, tenha uma visão tão tendenciosamente masculina...
renovados agradecimentos

alambique said...

e a propósito de rosa, lembrou-me, claro, a rosa alquímica ou o narciso recolhido por Perséfone e que depois vem aparecer nas versões de a bela e o monstro como rosa ou ramo de rosas, ou flor ou até «corte de goraz em campo verde»
É fascinante como tudo está ligado e como não paramos de repetir as mesmas coisas, ainda que em linguagens diferentes - e como o símbolo une sonho, loucura, mito, conto, filme, pintura...

alambique said...

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