
O Jardim do Éden é um jardim natural, resultando do primeiro gesto criador.Tem os quatro elementos, o ar, a água, a terra,o fogo (dos luminários do céu) ; todas as espécies animais próprias de cada elemento; e passeando pelo jardim, Yahvé, o seu criador, e o primeiro casal, Adão e Eva.
Na descrição da Bíblia nota-se a abundância: é um jardim que alimenta, colhem-se frutos de todas as suas árvores, à excepção de duas: viremos a saber que são a do Conhecimento do Bem e do Mal, e a da Vida (eterna).
Esconde-se no jardim a Serpente, que induzirá ao pecado (a quebra do tabú) e levará à Queda com as suas consequências: expulsão do Jardim, consciência do limite imposto à condição humana.
Esta primeira imagem do Jardim emana de uma sociedade antiga, rural, onde os valores são os da natureza e sua fertilidade garantida por intervenção superior. Expulsos do Jardim, Adão e Eva comerão abrolhos, e já não frutos variados e sumarentos, terão de arar, semear, colher com esforço tudo aquilo de que necessitem. Esta segunda imagem é já a da vivência real do trabalho da terra, numa sociedade que tem de garantir a sua subsistência; seguir-se-ão depois, com o espaço tribal mais organizado as referencias à caça e à pesca, ou ao pastoreio (Abel era pastor, manso e sedentário, Cain era caçador, cioso do que lhe dissesse respeito; fundou a primeira cidade, deixando assim perceber que na fundação das cidades preexistem Mal e Bem, são essas as duas realidades primordiais).
É interessante verificar o contraste deste Jardim com o Jardim dos Deuses que se encontra em Gilgamesh, fechando o capítulo IX:
"À sua frente surgiu o jardim dos deuses,
com árvores de pedras preciosas de todas as cores,
maravilha de se ver.
Havia árvores de rubis, árvores com flores
de lapis-lazuli, árvores com cachos de corais gigantes
como se fossem tâmaras. Por todo o lado,
brilhando em todos os ramos, havia jóias enormes:
esmeraldas, safiras, hematites,cornalinas, pérolas.
Gilgamesh contemplava tudo deslumbrado."
Este é o Jardim que um rei-herói imagina, como tesouro da sua cidade e do seu palácio; tudo ali se contempla, nada alimenta, como no Jardim natural.
Haverá outra maneira de ver: o Jardim do Éden é um jardim "terreal", o Jardim descrito no Gilgamesh é um Jardim "celestial", depurado de toda a matéria e sua contaminação.
Contudo é significativo que já neste primeiro texto fundador, aventura do crescimento e amadurecimento de alma de um herói (definido como dois terços divino e um terço humano) o bom regresso, ainda que perdida a planta da imortalidade, seja à cidade de Uruk, a bela, a muralhada, com o seu palácio e o seu templo de iniciação, fértil de terra arada e abundantes pomares - tudo distribuído em medida e proporção.
Agrada-me especialmente, neste percurso de mitos fundadores, trazer aqui a Jerusalém Messiânica dos cristãos.
Também ela protegida por muralhas de jaspe, sendo ela feita de ouro puro, límpido como um cristal (predomina a sedução oriental da jóia e do ornamento ostensivo). Mas "humanizada" de modo diferente: é ao mesmo tempo espaço divino e humano, recupera o primitivo Éden de que se foi banido, mas devolve, com a chegada do fim dos tempos e a salvação derradeira oferecida por Cristo à sua Igreja, devolve, dizia eu, a árvore da vida, e a vida eterna, junto do rio que corre atravessando o espaço mítico final.
O conhecimento trouxe a experiência e a dôr de uma divisão que parecia irreparável. A vida trará a união, a reconciliação de eus com o se povo, a espécie humana, redimida por Cristo, ele mesmo feito carne.
Mas vejamos de que modo é descrita, no Apocalipse, a Jerusalém Futura.
"Os alicerces da muralha da cidade são recamados de todo o tipo de pedras preciosas: o primeiro alicerce é de jaspe, o segundo de safira, o terceiro de calcedónia, o quarto de esmeralda, o quinto de sardónica, o sexto de cornalina, o sétimo de crisólito, o oitavo de berilo, o nono de topázio, o décimo de crisópraso, o décimo-primeiro de jacinto, o décimo segundo de ametista.As doze portas são doze pérolas, cada uma das portas feita de uma só pérola. A praça da cidade é de ouro puro como um vidro transparente.Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, e o Cordeiro" (21)
Com esta frase, "não vi nenhum templo nela"...se marca a primeira grande diferença em relação à cidade pagã, primordial.
Não há templo, pois não haverá mais espaço de oferendas aos deuses naturais, da terra e da vegetação.
A consciência da espécie afinou-se, a vivência religiosa é outra: Deus é um ser supremo que materializou no filho, o Cordeiro simbólico, ao mesmo tempo o sacrifício (a devoção ) e a redenção esperada.
De seguida o Anjo que fazia estas revelações a João mostra "um rio de água da vida, brilhante como cristal, que saía do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praça, DE UM LADO E DE OUTRO DO RIO HÁ ÁRVORES DA VIDA QUE FRUTIFICAM DOZE VEZES, DANDO FRUTO A CADA MÊS".
Embora descrita, também ela, como cidade mineral, de metais e pedrarias, esta é a cidade da Vida, corre nela o Rio, com a sua água abençoada, frutificam nela para sempre as árvores outrora proibidas.
O Criador reconciliou-se finalmente com a sua criação.