Monday, December 20, 2021

Plácidas são as horas

 Plácidas são as horas

em que o poeta repousa

 depois de feito o poema

já  na gaveta fechado

depois de feito e refeito

um dizer fora do tempo

não precisa de pensar

como tudo começou

se foi um primeiro verso

que  outros tantos arrastou

não pensa nesses princípios

não sabe onde estão escondidos

em que esferas,

em que fundos

de recôndita memória,

só pretende o bom descanso

merecido nesta hora

a que plácido se entrega

depois de uma longa noite

que outros diriam

sem história

mas para ele que acabou

o seu dizer torturado

de tanto fazer o feito

o desfeito

 e o refeito

poema agora fechado

foi afinal boa hora


20 de Dezembro, 2021



Wednesday, September 08, 2021

 

Espantos

(para a minha neta Maria, a filósofa 

Um primeiro espanto é o que se vê nos olhos da criança

acabada de nascer. Não sabe de onde veio, não sabe para onde irá...espanto é o que sente, de olhos abertos para o mundo.

Tudo lhe é desconhecido, o seu olhar é de estranhamento.

É espanto esse estranhamento, que pode ser feliz.

 

Em contraste com ele, temos o doloroso grito de espanto de Cristo na Cruz, quando no último apelo ao Pai exclama, Pai, por que me abandonaste.!

 A dôr do sofrimento sempre causará espanto, porque inesperada, como vemos em tantos exemplos da  Bíblia, do Antigo e do Novo testamento. Para não falar dos horrores da guerra que se viveram ainda há pouco tempo, no século XX e continuam, no século XX.

 A Bíblia é uma fonte preciosa. A supresa da dôr , do aparente castigo inesperado são a razão do Espanto.

 Mas há outros episódios em que o Espanto surge como reacção de dúvida e a seguir aceite. O anúncio a Maria, que será Virgem e Mãe do Salvador do mundo. Não chegou ainda esse tempo, mas virá.

 Quando as Mulheres ouvem a Mensagem do Anjo, no túmulo de Jesus, que está vazio, a pedra que o escondia tinha sido retirada, o seu espanto é grande, e aqui surge a palavra espanto, na boca delas. Maria de Magdala, Maria mãe de Tiago e Salomé (sigo a Bíblia de Jerusalém na tradução francesa da Escola Bíblica de Jerusalém, de 1955) chegam ao sepulcro onde Cristo foi depositado, o espanto perante o túmulo aberto e vazio e a presença do Anjo que o guardava e lhes diz: não está aqui, Cristo ressuscitou. Ide e espalhai a notícia. Leio pelo Evangelho de São Marco:

 “viram um jovem vestido de branco e foram tomadas de espanto. Mas ele disse-lhes, não vos assusteis.É Jesus o nazareno aquele que procurais, o crucificado; ressuscitou, não está aqui, ide dizer aos seus discípulos, sobretudo a Pedro, que ele vos precede na Galileia, aí o vereis como ele tinha dito” (Mc. 16). Espantadas ainda e a tremer de medo,  fora de si, fogem do túmulo, e não dizem nada a ninguém.Incrédulas perante o que é o milagre da Ressureição, viram-no crucificado e morto, sepultado, e agora é um Redivivo.

 Será Jesus, depois de aparecer a Maria de Magdala, que lhe pede que conte a notícia aos apóstolos, e a recção deles é novamente de Espanto e negação. Só quando Jesus se dirige então todos os apóstolos e lhes prova que é um redivivo e os inscumbe de ir pelo meund e espalahara boa nova, começam a reagir. Até o poder de falar muitas línguas a muito povos diversos lhes é consedido, para serem bem sucedidos na sua nova missão, a de espalhar a Boa Nova.

Uns mostram primeiro incredulidade,  que depois será desfeita. Outros crendo, porque lhes tinha sido anunciado pelo Mestre a Ressureição e a Vida.

Coloquialmente podemos falar de Espanto como surpresa, indignação, ou outro sinónimo que nos dê o dicionário: que espanto” poderemos dizer sobre um novo estilo, um novo carro, um golo cheio de nota artística, uma bela modelo que derrete corações, a mulher mais velha do mundo, com quase duzentos anos...espanto como algo de inesperado, que desencadeia exclamações, precisamente de espanto, mas sem a transcendência que o conceito aprofundado contém e exige.

 Vejamos, no regresso à Bíblia, São João no Apocalipse:

“Ao princípio era o Verbo, e o Verbo se fez Carne e habitou entre nós”. Aqui o Espanto é o de nos parecer impossível um tal acontecimento. O Verbo, energia espiritual pura, materializar-se em criatura humana, adquirindo um corpo (CARNE) e uma espessura que não existia nele. Causa espanto, como causou, pela impossiblidade de crer no que se ouvia.

Mas este é uma forma de Espanto que força o pensamento, o desejo de entendimento aprofundado. Passamos aqui para outro patamar na definição do conceito. A curiosidade de saber e de sentir o que é.

 O impulso da curiosidade, na ciência, ou na arte, perante a descoberta de algo de novo, ou o acabamento da obra inovadora podem causer Espanto (e felicidade pela realização desse sonho, por vezes tão adiado).

 Teremos, para não esquecer pormenores importantes, de parar na Tragédia Grega e na reflexão que se faz sobre o Espanto e o Horror, no momento mais alto da reversão do enredo, da identificação e da catárse, que de outro modo não teriam lugar. A Poética de Aristóteles seriam aqui o nosso guia.

Mas se voltarmos  ao Cristianismo que espanto maior se pode encontrar do que na Anunciação que o Anjo Gabriel faz a Maria, a que será Virgem e Mãe do Salvador do mundo? (no Evangelho deLucas,1) lemos que o Anjo Gabriel é enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazareth, para visitar uma Virgem, noiva de José, pertencente à casa de David. O nome da Virgem era Maria. Entrouna casa dela e disse: Salvé, cheia de graça, o Senhor é contigo. Ela ficou transtornada com esta saudação pensando no que significaria. (primeiro momento de espanto, interrogação); mas o Anjo tranquilizou-a, disse-lhe que tinha obtido Graça junto de Deus. Iria conceber e dar à luz um filho a quem daria o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado  Filho do Altíssimo. O Senhor Deus dar-lhe-á o trono de David, seu pai...e o seu reino não terá fim. Maria responde mas como é possível, se não conheço homem? E o Anjo responde que o Espírito Santo descerá sobre ela, o Altísssmo a tomará sob a sua protecção, e é por isso que a criança será santa e chamada Filho de Deus.

Maria então responde, sou a serva do Senhor, que me aconteça o que dizem as tuas palavras. E o Anjo deixou-a.

 Tanto se pode dizer abriu a boca de espanto, perante algo que se nos revela como desconhecido, e nos apanha desprevenidos, surpreendidos, como emudeceu de espanto, pelas mesmas razões, o sermos apanhados de surpresa, e ficar sem reaccão.

No caso de Maria, perante o que lhe vem dizer, de surpresa, o Anjo Gabriel é do segundo caso que se trata. Emudece de espanto, fica a ouvir o que lhe diz o Anjo e só no fim reage, aceitando, humilde, o destino que lhe fora traçado.

 Mais modernamente, um poeta como Rilke, que escreve, quase como num jacto as ELEGIAS DE DUÍNO e mais tarde  VIDA DE MARIA, elabora de forma intensa logo na primeira Elegia o Espanto que um Anjo nos causaria, se ao chamarmos ele surgisse diante de nós, de repente. Um tal Espanto e de tal dimensão que certamente morreríamos ao vê-lo.

O que quer o poeta significar? Que o transcedente não é para o humano? Vejamos a primeira estrofe:

Quem se eu gritasse me ouviria entre as hierarquias dos Anjos?E mesmo que um me apertasse

De repente contra o coração: eu morreria da sua

Existência mais forte. Pois o belo não é senão

O começo do terrível, que nós mal podemos ainda suportar,

E admiramo-lo tanto porque, impassível, desdenha

Destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.

E assim eu me reprimo e engulo o chamamento

Dum soluçar escuro.

Trad. Paulo Quintela)

 Em conclusão: pode espantar-nos o Horror, e o seu contrário, o Sublime (como é definido por Longinus no seu tratado).

Será sempre em todo o caso uma reacção de forte carga emocional perante um acontecimento inesperado,  excepcional. A que podemos chamar de numinoso...

 

 


 

Tuesday, September 07, 2021

 

Albrecht Duerer

Dele dizia dizia Vasari, em 1568, que a sua mestria espantava o mundo inteiro. Tantos desenhos, tantas gravuras e pinturas,

sempre inovando até ao fim da vida. Em Nuremberg, sua cidade natal, ilustra o Apocalipse de São João, tornando-se

o primeiro artista ilustrador e editor de uma obra

em que o texto se submete à imagem, algo de nunca visto até ele.

A gravura de Adão e Eva, de 1505, dá origem em 1507

a uma pintura idêntica, em que ressalta a proporção

que estuda no corpo humano. Escreverá sobre isso,

anos mais tarde, num ensaio: Sobre a Proporção Humana

(1520-1522). Mas talvez não seja tanto a sua mestria mas antes

a sua dimensão simbólica e alegórica o que até hoje fascina quem contempla a sua obra, desde a Melancolia I até ao Adão e Eva de que me vou ocupar.

O que há nestas gravuras de indicação silenciosa que é preciso decifrar? Que segredos, que harmonias encontradas, que pontos

que nos descentram das imagens desenhadas permanecendo enigmáticas?

Dizem os críticos: é a mistura sábia de alegoria e realismo,

como num sonho vivido.

 A gravura da Madonna com o Macaco revela influência italiana, numa época em que os macacos eram animais de companhia,

como os cães ou os gatos. Atribui-se a esta gravura a data provável de 1498. E é interessante compará-la ao Adão e Eva já citado, como fazem os críticos. Pela associação que se faz do macaco à mulher, Eva, pecadora, ou neste caso uma Virgem de desenho puríssimo.

Era minha intenção reflectir sobre o que chamo de bestiário alquímico na obra de Duerer. Temos a imagem do Filho Pródigo entre os Porcos, (com data provável de 1496) gravura de um realismo quase brutal, o homem de joelhos, frente ao casario da sua aldeia, mas em que os porcos são a sua figuração imaginal, um deles visto a meio do corpo do homem e quase fundido com ele.

Da mesma presumível data, uma gravura de uma porca monstruosa, nascida como é relatado num texto de Sebastian Brant, autor célebre da Narrenschiff ( Nave dos Loucos ) com uma cabeça, quatro orelhas, dois corpos, oito pés, apoiando-se em seis deles, e duas línguas. Um animal idêntico, embalsamado, foi exibido em Nuremberg, em 1496, na Páscoa.

Este tipo de acontecimentos, anti-naturais, era visto como aviso de Deus para grandes catástrofes, e na verdade pressente-se na gravura de Duerer o horror do que pode vir a ser um fenómeno assim.

 Tempo de medos e bruxarias, Duerer também o apresenta, na gravura das Quatro Bruxas, essa sim com data confirmada, de 1497, mas que a mim, na reprodução que tenho me parece 1491.

Seja como fôr, anterior a 1500. O diabo espreita, do lado esquerdo, escondido no escuro, e a caveira e uns ossos no chão, aos pés das bruxas, sublinham o perigo e o horror. Trata-se de uma iniciação, revertendo a imagem das Três Graças, mais conhecida, em que as bruxas se apossam da jovem que tem uma grinalda na cabeça.

A esfera vista acima é uma romã, símbolo de fertilidade. Quanto às iniciais, não há opinião firmada, mas podem significar Ordo Graciarum Horarumque (Ordem das Graças e das Horas).

 Noutra gravura, O Monstro Marinho, a que Duerer se refere em 1520 no seu Diário, o monstro mais parece um leito em que se reclina uma mulher voluptuosa, dando a ideia que é mais a ela que o artista quer que se dê atenção, tratando o seu corpo com especial cuidado e erotismo. Por sua vez o monstro, cabeça de velho barbado, não mete medo a ninguém e não sentimos que se trate de um rapto, mas de uma expressão de desejo amoroso.

 O chamado Sol Da Justiça (data suposta, 1499), tem como figuração simbólica um Cristo-Leão, sabendo nós que o Leão é o supremo rei da criação, e que nesta gravura se aponta para o fim dos tempos,  quando o “Sol da Justiça” abaterá a sua espada sobre a raça humana, pecadora.

 Outra gravura, com simbolismo animal, tradicional, é a da Bruxa Cavalgando de Costas numa Cabra (data suposta, 1500).

Voa, sobre crianças que brincam pelo chão, lembrando um pouco as da Melancolia I.

 Embora não se tratasse de um brasão de alguma casa nobre, Duerer concebeu numa gravura provavelmente de1500, um brasão que os críticos de arte definem como grandioso e de rara beleza: Um galo enorme, de asas abertas, sobre um leão mais pequeno, de garras estendidas, e parecendo emitir um rugido pouco intimidatório. À época, dizia-se que só um galo poderia derrotar um leão.

Interessante sem dúvida, para o nosso estudo do Bestiário de Duerer, não encontro aqui referências alquímicas, pois nas gravuras mais célebres, como as de Michael Maier, na Atalanta Fugiens, o que se vê, na chamada “obra da mulher” são galinhas  espalhadas pelo chão, fazendo todo o sentido, pois são as galinhas que põem os ovos da fertilidade que se atribui também à Obra hermética. Seria a Fénix, na gravura de Duerer, que deveria estar, em vez do galo...e assim se entenderia o simbolismo maior que se sobreporia à nobreza do leão.

Mas adiante.

Veremos cavalos, sempre de porte magnífico, veados, galgos, em muitas outras gravuras que já não irei detalhar, pois se distinguem mais pela dimensão e técnica que os críticos apontam, do que por alguma dimensão simbólica. E os detalhes da Mestria deixo a quem sabe mais do que eu para poder comentar. Temos um São Jorge a pé, de 1502, com o dragão que matou, estendido atrás no chão.

 Embora não referido nos Diários de 1520-21, da viagem feita aos Países-Baixos, o Brasão com uma Caveira evoca o tema do Amor e da Morte, em tempos de guerra, que deram à cidade de Nuremberg a sua independência territorial, em 1503. A figuração da caveira tem também, na linguagem alquímica, o sentido de nigredo, aludindo ao negro da Obra ( ou da alma) em hora de depressão.

 Em 1520, Duerer aponta no seu Diário: “também dei ao representante de Portugal um Santo António, uma Natividade e A Cruz. Gravuras de evocação religiosa, que na opinião dos críticos devem ter sido prenda de Ano Novo. Na época de Duerer o primeiro dia do ano era celebrado no Natal.

 Assim chego à gravura que mais me chamou a atenção, tinha sido colocada num post pelo pintor Pedro Chorão, e de imediato me fascinou, tal e qual como a da Melancolia I.

É a de Adão e Eva, datada de 1504 numa tabuleta que tem também a assinatura do artista, e pende dum ramo de árvore que Adão segura enquanto agarra num bocado do fruto proibido. O fascínio é imediato, pois o ramo tem num galho um papagaio, ave que fala, colocada na imagem dum Adão que sempre obedeceu, sem abrir a boca, a não ser quando Jeová os descobre e interroga sobre a árvore de que tinham comido. Ironia ? Aviso sobre o pecado? Do lado de Eva a serpente, e o fruto que lhe coloca na mão. Apesar de tapados, adivinham-se os sexos, nestes corpos belamente desenhados, expondo a nudez de que Duerer era visível apreciador, já noutras gravuras anteriores. Quanto à iconografia animal, vemos um veado, cuja cabeça espreita atrás da árvore, uma vaca deitada no chão, de que sobressaem apenas a cabeça e patas dianteiras, um coelho, e um gato, frente a um ratito pequeno, cuja cauda o pé de Adão está a pisar.

O rato e o gato? Uma brincadeira de Deus com a criação? De Duerer com o Criador?

 Na gravura de São Jerónimo no seu estúdio (de 1514) dobrado sobre a livro que está a escrever, é o leão que sobressai como figura majestática, com um cão de olhos fechados ao pé, respeitando deste modo um emblema que é conhecido e usado nos tratados em que impera o simbolismo real, imponente, solar do rei dos animais. Não falta, na gravura, a caveira da meditação, junto à janela. Sabedoria e Moral seriam talvez aqui os comentários mais adequados, mas a gravura é bela em si mesma, como são as que surgem, mais tarde, no Mutus Liber alquímico, em que a Obra se completa com leitura, trabalho e oração.

 Do mesmo ano de 1514 temos então a célebre Melancolia I, que se supunha na época representar o desgosto, ou o cansaço, da impossibilidade de se alcançar alguma vez a sabedoria divina, ou os segredos da natureza, devido às limitações do conhecimento humano (Strauss, p. 166).

Acrescenta um dos seus estudiosos (Woelfflin, 1905, p.247): “ trata-se de uma mulher alada, sentada num degrau, encostada à parede, perto do chão; com ar de quem não fazia tenção de se voltar a erguer; mórbida, com ar de desagrado, quase gelada; só o seu olhar parece vago; Mas à sua volta, tudo está vivo; um caos de objectos, todos desarrumados. A inspiração veio dos escritos de Marsilio Ficino, que dissera ‘ todos os homens que são excelsos nas artes são melancólicos’ “.

O padrinho de Duerer tinha publicado as Cartas de Ficino em 1497, e aí tinha o autor descrito em pormenor os detalhes do carácter “saturnino” (melancólico), bem como salientara a relação da melancolia dos homens de génio com a doutrina mística do Neo-Platonismo.

Strauss contudo acrescenta que na gravura sobressaem outros aspectos: “ ...estes coincidem mais com o primeiro dos três tipos de melancolia descritos em De Occulta Philosophia de Agrippa von Nettersheim, obra  já conhecida em 1510, embora só com edição completa em 1531. Seria então um exemplo, esta Melancolia I, da “Melancolia imaginativa”.

De Duerer, nas suas notas, há apenas uma indicação quanto aos objectos que rodeia a figra da mulher: “as chaves significam poder, a bolsa significa riqueza” (Strauss, p.168).

Poderíamos reflectir sobre outros significados dos objectos presentes: o cubo e a esfera, por exemplo: a perfeição sólida da Pedra  versus a instabilidade da Esfera, salienta Strauss. Mas a esfera, enquanto forma perfeita, circular, é também emblemática, na alquimia, da perfeição alcançada. E o imaginário alquímico era igualmente celebrado na época de Duerer, junto com o Bestiário de que ele também se serve, na ilustração do que faz.

Repare-se que junto ao cubo está uma escada que leva ao alto da casa, como no Mutus Liber do século XVII teremos uma mesma escada a fechar o segredo revelado do Livro: a escada da sabedoria divina alcançada pelos adeptos.

 A gravura do Rapto de Proserpina num Unicórnio, datada de 1516, fecha para estas minha notas, a busca de representações simbólicas, nas gravuras de Duerer. Animal considerado mágico e feroz, que as bruxas cavalgavam, está aqui apresentado de facto com ferocidade, o que é natural, pois se trata de um rapto violento, inesperado, segundo a lenda. Plutão é o deus maléfico e o animal segue com ele, por sua ordem.

Bem diferente do unicórnio das tapeçarias da Dama e a Licorne em que sobressai uma doçura de encantamento místico, alusivo à pureza que doma e conquista toda a violência que o animal emblemático poderia ter.

Duas visões, dois sentidos.

Mas o que há de fascinante numa obra de arte é precisamente o conjunto de leituras que nos é oferecido e guardaremos na memória de evocação da arte e dos artistas.

 Y. Centeno, 2021