ALBERTO CAEIRO
Ler Caeiro é um desafio maior.
Porque Pessoa lhe deu o título de Mestre.
Que ele se foi, foi sem querer, pois na verdade não queria ser nada, nem isto nem aquilo, quando muito, se possível, ser, simplesmente.
Viver e deixar viver. Não se demorar a pensar sobre isso.
Na tradução inglesa de Chris Daniels, se nos dermos so trabalho de a retroverter para o original, sobressai a limpidez das ideias, que de tão claras não permitem enganos.
Cito e depois retroverto:
I don't have ambitions or desires.
Being a poet isn't my ambition,
It's my way of being alone.
Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é minha ambição,
É o meu modo de estar sozinho.
Não fui ver ao original, pode haver aqui e ali, na retroversão que fiz algumas diferenças.
Mas a ideia centralé a seguinte: em primeiro lugar a consciência de que é poeta.
E em segundo lugar o sentimento consciente de que está sozinho.
Ser - poeta
Estar - sozinho.
Em poucas palavras a grande definição da essência e da existência, do SER noTEMPO, que demorou a Heidegger centenas de páginas e nem por isso o tornou mais humano (ao não querer receber Paul Celan, o poeta rescapado de um campo de concentração que o filósofo alemão talvez tivesse ignorado).
Neste primeiro poema de O Guardador de Rebanhos, Caeiro, que afirma logo nunca ter guardado rebanhos, o que oferece à nossa pastorícia mental é o conjunto das suas reflexões, das suas considerações filosofantes, e não ou nunca a imagem de rebanhos de ovelhas em prados felizes e distantes.Caeiro será Mestre?
Se os outros afirmam...
Teoriza a razão de ser poeta, o seu sentido ou ausência dele...e teoriza a Arte da sua escrita, de engenho tão múltiplo e complexo:
When I sit and write poems
Or, walking along the roads or paths,
I write poems on the paper in my thinking,
Looking after my flock and seeing my ideas,
Or looking after my ideas and seeing my flock,
With a silly smile like when you don't understand what somebody's saying
But you want to pretend you do.
Quando me sento e escrevo poemas
Ou quando, a passear por estradas e caminhos
Escrevo poemas no papel no meu pensamento
etc.
...
À primeira vista podia ser uma versão Bing, libérrima, e em nada nos espantaria!
Mas não há acasos na escrita de Caeiro , e peço desculpa, antecipando alguma diferença, pois não encontro o original e não posso agora perder mais tempo.
Não tendo cão de pastor, as minha ideias fogem.
Vou seguindo a excelente tradução inglesa.
Caeiro só é Mestre de si mesmo no exercício de ser um outro de Fernando Pessoa - mais um outro, mais velho, mais lido, e que na busca de estilo próprio encontra um espaço ainda vazio, o do campo, das suaves colinas por onde estende um olhar atento: não às ovelhas mas às ideias, sensações mais do que sentimentos que livremente lhe ocorrem.
Os sentimentos - que como bem afirma Ricardo Reis, o excelso grego, são apenas exageros a evitar, serão recuperados em toda a linha e até ao desregramento, por Álvaro de Campos, o despudorado engenheiro, que nunca ergueu casas, mas sim e sempre tempestades dentro de si mesmo.
Quanto ao Mestre de todos - estes e outros tantos, sempre que queria, ou se quisesse,
Fernando, agora, estudado o espólio, sempre designado por " o Ortónimo" quando talvez desejasse antes que o designassem por "o Oculto" continuou a brincadeira que tinha iniciado, na época do sonho de Orpheu, de escrever ora como uns ora como outros, sem esquecer António Mora, o filósofo repetidor, que ficou inédito por mais tempo.
Mesmo assim algumas coisas interessantes, para a teoria poética são de notar: a definição e a prática, ou tentativa dela, do Sensacionismo.
Será altura de referir Mário de Sá-Carneiro, o eterno e saudoso e sempre jovem poeta, que foi cumpridor à risca do programa que o Mestre Pessoa lhe impunha.
Mas ele morria longe, em Paris, enquanto Fernando se estirava pelas ruas de Lisboa, se desassossegava, se aborrecia, aguardando que alguém lhe sacudisse a Alma entorpecida.
Havia de ser o Mago Crowley, que rapidamente o desiludiu. Pessoa não era inglês, faltava-lhe apesar de tudo esse distanciamento necessário. O Mago foi-se, romântico e despenhado na Boca do Inferno, e o Mestre Pessoa cansou-se de brincadeiras.
Matou os alter-egos por volta de 1915 - talvez esta data também faça parte da brincadeira astrológica inicial - um horóscopo para cada um dos eleitos - mas pouco importa.
Assumiu-se como ele próprio, um eu agora Maior, um Eu a tornar-se centrípeto, pequeno ponto denso que só uma leitura hermética poderia entender.
Agora Mestre, sim, conhecedor do Um e do Todo que só o afundamento total permitiriam.