Os meus leitores habituais já sabem que muitas vezes passo de um blog para outro: neste caso, passo de literatura e arte, onde coloquei um apontamento sobre William Blake e o seu poema O TIGRE, que traduzi em versão fiel, mas livre, para este blog onde continuarei a reflectir sobre o Fogo que arde nos olhos do Tigre, figuração da treva primordial.
O conjunto de poemas que Blake intitulou Canções de Inocência e de Experiência exprime, como ele diz, as duas faces da alma humana: a luminosa e a obscura, feita de treva.
Uma treva que preside à criação, é parte da substância mesma de Deus, pairando no ar a ideia de que o Mal é imanente, é consubstancial ao Bem, o da pureza inocente do outro ciclo de canções.
O ciclo das canções de Experiência fecha com um poema sobre A IMAGEM DIVINA, que passo a traduzir:
Uma Imagem Divina
A Crueldade tem um coração humano,
E o Ciúme um rosto humano;
O Terror é a divina forma humana,
e o Mistério a humana roupagem.
O vestido humano é ferro forjado,
A forma humana é uma forja ardente,
O rosto humano uma forja selada,
O coração humano seu abismo voraz.
Bem na continuação de poemas anteriores, sobretudo o do Tigre, Blake exprime o seu entendimento do Humano como substância contaminada: pela crueldade, pelo ciúme, por uma arbitrariedade que é própria do mesmo desígnio divino e misterioso com que foi concebido o Tigre, em simultâneo com o Cordeiro.
O Tigre foi forjado a um lume perverso, e o mesmo se verifica aqui, onde impera o imaginário de um fogo perpétuo e igualmente nefasto (não purifica, não sublima, deforma):
a segunda estrofe, concludente, desenha a forma humana como ferro forjado, forja ardente, forja selada ( de onde essa tal forma não poderá ser retirada) sendo que tudo é vorazmente engolido por um coração ainda mais negro, centrípeto de movimento, onde a emoção primordial se afunda.
Podemos ler este poema em contraponto com outro, o XIV do ciclo das canções de Inocência: tem o mesmo título, A IMAGEM DIVINA e não será por acaso.
A Imagem Divina
À Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
Todos rezam quando em desespero;
E a essas virtudes divinais
Demonstram a sua gratidão.
Pois Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
São atributos de Deus, nosso Pai bem amado,
E Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
são do Homem, seu Filho bem cuidado.
Pois a Misericórdia tem coração humano,
A Piedade um rosto humano,
E o Amor, a divina forma humana,
E a Paz, a humana roupagem.
Então cada homem, de qualquer região,
Que reze no seu desespero,
Reza à divina forma humana -
Amor, Misericórdia, Piedade, Paz.
E todos devem a humana forma amar,
Seja em pagãos, Turcos ou Judeus.
Onde reinem Misericórdia, Amor, Piedade
Aí Deus reinará também.
Face a este poema, de apelo às Virtudes cristãs mais anunciadas, em que claramente é dito que no Homem justo e bom a divindade está presente, o que concluir do poema em que tudo é desmontado e relegado para uma impureza fundadora e cruel, na raiz da criação humana?
Que perdido a Inocência do Jardim das Delícias a Queda foi abissal e permitiu que uma visão luciferina revelasse a outra face do Humano: a impiedosa, a cruel, a de um deus ele mesmo ciumento e devorador das suas criaturas.
Não é fácil abordar a lírica de Blake, e muito passaria pelo estudo da sua formação esotérica, que não poderei fazer aqui.
Mas deixo à curiosidade dos leitores a porta aberta para quem deseje aprofundar estas matérias.
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Bem na continuação de poemas anteriores, sobretudo o do Tigre, Blake exprime o seu entendimento do Humano como substância contaminada: pela crueldade, pelo ciúme, por uma arbitrariedade que é própria do mesmo desígnio divino e misterioso com que foi concebido o Tigre, em simultâneo com o Cordeiro.
O Tigre foi forjado a um lume perverso, e o mesmo se verifica aqui, onde impera o imaginário de um fogo perpétuo e igualmente nefasto (não purifica, não sublima, deforma):
a segunda estrofe, concludente, desenha a forma humana como ferro forjado, forja ardente, forja selada ( de onde essa tal forma não poderá ser retirada) sendo que tudo é vorazmente engolido por um coração ainda mais negro, centrípeto de movimento, onde a emoção primordial se afunda.
Podemos ler este poema em contraponto com outro, o XIV do ciclo das canções de Inocência: tem o mesmo título, A IMAGEM DIVINA e não será por acaso.
A Imagem Divina
À Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
Todos rezam quando em desespero;
E a essas virtudes divinais
Demonstram a sua gratidão.
Pois Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
São atributos de Deus, nosso Pai bem amado,
E Misericórdia, Piedade, Paz e Amor
são do Homem, seu Filho bem cuidado.
Pois a Misericórdia tem coração humano,
A Piedade um rosto humano,
E o Amor, a divina forma humana,
E a Paz, a humana roupagem.
Então cada homem, de qualquer região,
Que reze no seu desespero,
Reza à divina forma humana -
Amor, Misericórdia, Piedade, Paz.
E todos devem a humana forma amar,
Seja em pagãos, Turcos ou Judeus.
Onde reinem Misericórdia, Amor, Piedade
Aí Deus reinará também.
Face a este poema, de apelo às Virtudes cristãs mais anunciadas, em que claramente é dito que no Homem justo e bom a divindade está presente, o que concluir do poema em que tudo é desmontado e relegado para uma impureza fundadora e cruel, na raiz da criação humana?
Que perdido a Inocência do Jardim das Delícias a Queda foi abissal e permitiu que uma visão luciferina revelasse a outra face do Humano: a impiedosa, a cruel, a de um deus ele mesmo ciumento e devorador das suas criaturas.
Não é fácil abordar a lírica de Blake, e muito passaria pelo estudo da sua formação esotérica, que não poderei fazer aqui.
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3 comments:
ESTE E O MEU MUNDO BLAKE COM O SEU FAMOSO THE TIGER
ESTE E O MEU MUNDO BLAKE COM O SEU FAMOSO THE TIGER
There is certainly a lot to find out about this subject. I like all
the points you made.
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