Numa gravura alquímica nada é posto ao acaso. Assim, embora o bestiário alquímico seja variado, o que vemos normalmente são animais emblemáticos pela côr, como o corvo, marcando a obra ao negro, ou a serpente, devoradora do corpo, ou enrolada na figuração do Uno - o Um e o Todo - ou ainda o leão luminoso, solar, ou a fénix da regeneração sublimada, o pavão, da cauda pavonis, a Obra multicolor antes de atingir o branco ou o vermelho, o dragão alado, com idêntico simbolismo, da materia negra, terreal, sublimada etc.
Águias, se voando, são a imagem mesma da sublimação que se deseja alcançar. Pousadas significam que o Caminho não está ainda percorrido. Se unidas uma à outra na copa da Árvore da Vida indicam que a consumação feliz se deu, e a Obra, o Caminho, estão cumpridos.
E então o que faz aqui, nesta gravura de Lambsprinck, o tímido caracol?
Uma das águias quer arrancar no seu vôo, a outra permanece no ninho, e a legenda reza:
" O Mercúrio sublimado repetidas vezes é por fim fixado para que não possa mais fugir e volatilizar-se pela força do fogo:a sublimação deve ser repetida até que se torne fixa.
O fixo e o volátil são assim dois elementos-chave, preparados para a Conjunção final, que deve ocorrer em determinadas circunstâncias, de espaço, mas sobretudo de tempo.
O processo é demorado, exige paciência. E a ilusão de uma Conjunção apressada não resultará num filius philosophorum, apenas na depressão da nigredo outra vez.
Fui roubar a Herberto Helder a expressão "demoroso"...eis o verso:
no sistema demoroso do bicho interompido na seda...
Também ele, alquimista do Verbo, não usa a expressão por acaso. Criou-a expressamente fundindo as palavras demorado e amoroso, sexualizando a imagem,a forma, o bicho escondido num casulo e que alguma vez haveria de voar borboleta (a pulsão sublimada). O que no caso deste poema não pode acontecer: o casulo, com o bicho dentro, foi preparado para o fio do destino, para outra função, a da morte.
Na terra a lição é a da paciência, do vagar, do lento prazer que o caminhar pelas palavras dentro proporciona.
E na terra sonham ambos dentro do seu casulo ou da sua humilde casca, tanto o poeta como o caracol alquimista.
9 comments:
Talvez o caracol designe a expressão do "fogo da roda" dos sábios...O agente e o paciente, o laboratorio e o oratorium alquimico, esse "ludus puerorum" (La Lumière sortant par soy-mesme des Ténèbres)? Não poderemos associar o "demoroso" caracol á aranha do mito de pallas-athenas, num sentido de paciência e fé na feitura de um "Opus" alquimico? Perdoe-me tantas dúvidas, porventura são demasiado ingénuas e descontextualizadas. Creio que em alquimia temos de pôr questões impossiveis,porque as possiveis só percorrem metade do caminho.
Grato pelos temas que aborda. fR
Caro F.
Este caracol é um pouco o post-scriptum que completaria o meu texto anterior, da Faca e do Fogo, poema de Herberto Helder. Ganha sentido no poema que transcrevi e que, no caso dele (alquimista do avesso) vai conduzindo no seu lento caminho a uma última forma de revelação, aquela que só a morte concede.
O caracol ( mas também o bicho da seda, a lagarta de Alice no País das Maravilhas) é uma imagem da transformação. Símbolo lunar, acompanhando o ritmo das Estações,inclui, por esse facto, o tema do Eterno Retorno.
O adjectivo demoroso, aplicado assim, objectiva uma sexualidade visionada, evocativa de outros temas como o da fertilidade, que encontramos em antigos mitos fundadores.
Mas cada texto condiciona a leitura que dele podemos fazer.. .
Nossa, que postagem mais interessante. Gosto muito de imagens assim simbólicas. Fiquei encantado com o seu texto. Com a forma como descreveu a representação do caracol na figura, com sendo um elemento que denota paciência. (na verdade, quando eu bati o olho nele eu pensei isso).
Costuma-se usar para isso também a tartaruga. O efeito costuma ser o mesmo. E muito interessante como as imagens falam tão bem das coisas.
Adoro esse blog.
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atilasiqueira.blogspot.com
Um grande abraço,
Átila Siqueira.
Caro Átila,
Tem razão, a tartaruga, nas gravuras alquímicas, tem o mesmo sentido de marca de paciência. O curioso é que sendo o Bestiário alquímico bastante vasto, até hoje só em Lambsprinck encontrei o caracol, só em Michael Maier o galo e a galinha acompanhando o par sol/lua, com a legenda:
"o sol precisa da lua como o galo precisa da galinha".
Estes foram buscar ao quotidiano humilde os seus exemplos, tornando mais clara a sua mensagem, embora tivessem usado com abundância as referencias mais nobres e tradicionais, a serpente, o dragão, o leão, águias, etc.
Boa leitura seria, se gosta destes assuntos, a obra de Stanislas Klossowski de Rola, The Golden Game, Alchemical Engravings of the Seventeenth Century..
... "a sublimação deve ser repetida até que se torne fixa.
O fixo e o volátil são assim dois elementos-chave, preparados para a Conjunção final, que deve ocorrer em determinadas circunstâncias, de espaço, mas sobretudo de tempo.
(...) "
Oxalá haja a capacidade!
[hoje chegaram 'As Três Cidras do Amor']
Até sempre Yvette!
Excelente texto e excelente blog.
Já há algum tempo que queria também eu deixar o meu incentivo.
Fiquei com muita vontade de pegar no livro de Herberto Helder que anda meio perdido nas minhas estantes.
Abraço.
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