Saturday, December 01, 2007

O Jardim de Lampedusa


Em contraste com os jardins fechados, de pedras preciosas, que são oferecidos nos textos mais antigos, podemos ter o prazer de descobrir em obras como a de G. Tomasi di Lampedusa, pelos olhos do seu alter-ego, o Príncipe Fabrizio, jardins mais humanos e mais reais, ainda que não menos carregados de simbolismo: o do amor pela terra, eterna mãe, eterna criadora, que tanto recolhe a morte como alimenta a vida.
Logo no início do seu magistral romance ( O LEOPARDO, na tradução portuguesa de J. Colaço Barreiros ) Lampedusa descreve o Príncipe a descer a escada que dava do palácio para o jardim:

" Ali, na terra avermelhada, as plantas cresciam em exuberante desordem, as flores despontavam onde Deus queria e as sebes de murta pareciam dispostas mais para impedir do que para guiar os passos...Mas o jardim, comprimido e esmagado entre as suas barreiras, exalava perfumes untuosos, carnais e levemente pútridos, como os líquidos aromáticos destilados pelas relíquias de certas santas; os cravos sobrepunham o seu aroma apimentado ao protocolar das rosas e ao oleoso das magnólias que se apinhavam nos cantos; lá por baixo, sentia-se também o perfume da hortelã misturado com o infantil da acácia e o adocicado da murta, e do outro lado do muro o laranjal fazia transbordar o cheiro a alcova das suas primeiras flores.
Era um jardim para cegos: a vista era constantemente ofendida, mas o olfacto podia extrair dele um prazer forte, embora não delicado".

Eis um jardim oloroso, plantado para os sentidos, na perturbadora terra siciliana. Aquela em que tudo mudaria para que tudo ficasse na mesma, como a certa altura é observado.
Mas nada escapa à ironia do autor, o próprio jardim figura um tempo em decadência, e é assim que a sensualidade dos perfumes também sofrerá um revés:
"As rosas Paul Neyron que ele próprio adquirira em Paris tinham degenerado: primeiro estimuladas e depois esgotadas pelos sucos vigorosos e indolentes da terra siciliana, queimadas pelos Julhos apocalípticos, haviam-se transformado numa espécie de couves côr de carne, obscenas, mas que destilavam um denso aroma quase repugnante que nenhum cultivador francês teria a ousadia de esperar".

Não, estas não são as rosas de Sharon, antes fazem dessas imagens perdidas no tempo e no imaginário dos poetas uma caricatura cruel: "O Príncipe passou uma delas pelo nariz e pareceu-lhe que cheirava a coxa de uma bailarina da Ópera".

Este é o romance de um tempo, uma terra ( ainda semi-feudal e já em grande mudança) um corpo com a sua casa e o seu jardim.
Mas até no odor da decadencia se encontra ali uma infinita saudade, um arreigado amor.

2 comments:

Sérgio A. Correia said...
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Yvette Centeno said...
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