Saturday, December 02, 2006

Cruzeiro Seixas


Cantemos os poetas enquanto estão vivos, ler os seus versos é como ver-nos ao espelho !


" Ali mesmo paredes meias com o fogo
estava talvez eu
olhando o tecto como se olha um prado
com rapidíssimos malmequeres descendo a abismos profundísimos
onde incessante murmurava uma fonte de trevas
de sangue de horror
verde-bronze.

Olho-me em função do que vejo nos outros
quero dizer
que os outros são o meu espelho.
Sou por compensação e por reacção
e assim espelho de feira
o desequilíbrio cósmico
não me é dado.

A minha problemática parte daqui.
Evidentemente que deveria ser o contrário disto
não ouvir não olhar não comparar
ser eu ainda
um oceano desconhecido.

Mas pelo contrário sei que sem os outros
não seria movimento;
tudo o que faço é como uma reacção à chicotada
que é minuto a minuto
o dia-a-dia.

Escrever ou pintar
não parecem forma de me encontrar
de me esconder de te encontrar.
....
Tudo o que faço e o que não faço
transcende de muito no entanto
o visível o palpável
o imaginável.

Entre mim e mim
há o infinito da proximidade.
...
Será que os espelhos
agem por medo
em estado de pânico ?

Cada peito uma rocha
e tudo espelhando a dissonancia
como uma jangada enquanto esperamos da chuva uma qualquer verdade
- qualquer serve-
para enganar as fomes em equilíbrio instável
entre dois continentes incontinentes
um a vida como um mineral
outro a morte esse vegetal eternamente desconhecido
no mar
como num leito em fúria ".

( Artur do Cruzeiro Seixas, OBRA POÉTICA, vol.I,
organização de Isabel Meyrelles, ela mesma poeta e tradutora
Quasi ed., 2002 )

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