Tuesday, October 10, 2017
Lilith e Inanna
Foi ao ler o ensaio de Siegmund Hurwitz, Lilith The First Eve, ed. Daimon, 2009, que me ocorreu procurar nas histórias e hinos da Suméria uma imagem fundadora do Eterno Feminino, Inanna, a Grande - Mãe, " Rainha do Céu e da Terra", no cuidadoso estudo da autoria de Diane Wolkstein e Samuel Noah Kramer, ed. Harper and Row, 1983.
De Kramer eu tinha lido, quando jovem, um livro fascinante, que logo me fez olhar o mundo e as civilizações de forma bem diferente daquela que nos ensinavam no Liceu: History Begins at Sumer.
Afinal havia tanto mais para saber, para descobrir, para entender, nos vestígios deixados para memória, em frágeis tabuínhas de argila, numa escrita difícil, cuneiforme, ainda a ser decifrada. Afinal não era na Bíblia, no Antigo Testamento, embora pudesse haver pontos comuns, que estava o segredo da narrativa do Princípio dos Princípios. E Eva tinha tido antepassadas...
Quando escrevi o texto sobre Dizer o Mal, para a revista do CEIL, debrucei-me naturalmente sobre a figura de Eva, e a sua intervenção, no processo de aceder ao Conhecimento do Bem e do Mal, de que o fruto da Árvore Proibida ia ser portador. Esta Eva, no Génesis 1, era parte integrante do Adão andrógino, criado macho e fêmea, como nos é dito. A divisão em sexos opostos será já consequência do castigo que Jeová inflige, depois da tentação em que a Serpente, os faz cair. Remetendo para o que acontece no Banquete de Platão: também neste diálogo o ser andrógino é dividido ao meio, como castigopelo excesso de ambição, desafiadora dos deuses.
A Eva de Génesis 2 levanta outra questão: feita de uma parte de Adão, nem sequer da cabeça, como a Atena de Zeus, mas de uma costela (porquê costela? porque a cabeça apontaria para o domínio da Razão e a costela para o domínio do Coração? ) esta Eva deixa-se tentar pela Serpente, oferece o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal ao companheiro, e partilha com ele a culpa do mal que se tornou origem de todos os outros males com que a espécie humana foi a seguir perseguida. Estas Evas são intermediárias, é na Serpente que se encontra a Origem e a Causa Primeira: é a serpente que fala, que explica, e que incentiva a que não haja medo de correr o risco do castigo. Vemos depois o que acontece: o Par primordial expulso do Paraíso, a mulher condenada a parir em sofrimento e pouco depois o primeiro de todos os crimes, de Cain matando Abel e sendo expulso para longe, para fundar cidades, que todas terão a marca negra do sangue. Podemos dizer que até hoje...
Sem querer entrar aqui no arquétipo e simbolismo da Serpente, por um lado iniciadora, por outro causadora de todos os males, interessou-me antes procurar imagens do Feminino nos mitos mais arcaicos, nas descrições que as tabuínhas dos sumérios ainda permitem ler.
Não se poderá pôr de lado o Antigo Testamento: há muitos pontos comuns, lembro apenas, no caso do dilúvio descrito na epopeia de Gilgamesh o mesmo que se verifica no da Bíblia, e da Arca de Noé. Como sempre, apenas os Justos merecem salvação, e voltamos a uma espécie de Par Primordial, renovado pelo aviso de Jeová-Deus.
2
Mas retomo a leitura de Wolkstein e Kramer, com as histórias de Inanna e seus Hinos da Suméria, com o sugestivo apelo das imagens que os acompanham.
Temos de início uma Árvore, a árvore Huluppu:
de um lado e de outro duas figuras, a de uma deusa e de um deus; a árvore tem 6 ramos (equivalentes aos 6 dias da criação do Génesis? ) e na sua raiz uma serpente dupla, também ela, com duas cabeças: condensando o arquétipo do Conhecimento, por um lado, e o da Vida, por outro? Os arquétipos têm esta característica, permitem o divagar...relacionando. Sentados, os deuses apontam ambos para serpente da árvore. Ali está a lição do mito. Eis o poema, na tradução inglesa:
In the first days, in the very first days,
In the first nights, in the very first nights,
In the first years, in the very first years,
In the first days when everything needed was brought into being,
etc,
etc.
até que se chega por fim à descrição da Árvore Primordial, também ela, como o primeiro dos primeiros dias, única na sua existência quando é plantada nas margens do Eufrates.
Estamos perante um hino que evoca o princípio dos tempos, o cântico da criação do mundo, com os primeiros deuses, a separação dos mundos, o céu que se distancia da terra, fixando-se o mundo superior e inferior, e um nome é dado ao Homem.
A árvore Huluppu era alimentada pelas águas do rio Eufrates, mas eram águas agitadas pelos Ventos do Sul, que faziam abanar os ramos, as raízes e a levaram por fim na corrente, até que surge uma mulher temente "da palavra" do Deus do Céu, An, e do Deus do Ar Enlil, (entendamos por aqui as forças indomáveis da natureza ), retirou a árvore do rio e disse:
I shall bring this tree to Uruk.
I shall plant this tree in my holy garden.
Conclui-se pelo seguimento que esta mulher já é Inanna:
Inanna cared for the tree with her hand.
She settled the earth around the tree with her foot.
She wondered:
how long will it be until I have a shining throne to sit upon?
How long will it be until I have a shining bed to lie upon?
A narrativa anuncia deste modo o nascimento de uma outra figura primordial, ligada à terra, em que plantou a Árvore (que salvou das águas do rio) e com a qual (da sua casca ) espera poder fazer o seu trono, de onde reinar, e a sua cama, onde repousar.
Mas será necessário esperar um tempo: cinco anos, dez anos, até que a casca da árvore revelasse três importantes alterações:
Then a serpent who could not be charmed
Made its nest in the roots of the huluppu-tree.
The Anzu-bird set his young in the branches of the tree.
And the dark maid Lilith built her home in the trunk.
The young woman who loved to laugh wept.
How Inanna wept!
(Yet they would not leave her tree.)
Aqui temos Inanna, Primeira das primeiras, que devolveu a vida à Árvore sagrada, a lamentar-se pelo que sucedeu agora, que aguardava poder ter o seu trono e a sua cama, no seu jardim sagrado : uma entidade oriunda das trevas, Lilith, com uma serpente e um pássaro ocupam a árvore sem que ela possa fazer nada para que saiam.
O hino da criação primordial parece que evoca um regresso a um abismo que não tinha sido ainda descrito na sua totalidade. Afinal o que teriam feito os deuses? Por que não intervinham, nem agora que a deusa, a Grande-Mãe, pedia ajuda? Não era a ela que a Árvore devia a sua existência?
Surge então na narrativa Gilgamesh, que será o herói de uma outra epopeia, com o seu nome, descrito como "irmão" de Inanna. Ela pede-lhe ajuda.
Gilgamesh agora já referido como o herói de Uruk, presta-lhe ajuda. Arma-se, como cavaleiro que é, ergue o seu poderoso machado de bronze e entra no "jardim sagrado" de Inanna, onde a Árvore se encontra plantada.
Gilgamesh mata a serpente que não podia ser destruída, o pássaro-Anzu foge com as crias para as montanhas, e Lilith destruiu a sua casa no tronco e fugiu para os lugares selvagens, desabitados.
Gilgamesh soltou então as raízes da Árvore-huluppu,
e os filhos da cidade, que o acompanhavam, cortaram-lhe os ramos.
From the trunk of the tree he carved a throne for his holy sister.
From the trunk of the tree Gilgamesh carved a bed for Inanna.
From the roots of the tree she fashioned a pukku for her brother.
From the crown of the tree Inanna fashioned a mikku for Gilgamesh,
the hero of Uruk.
Assim termina o primeiro texto alusivo à criação do mundo, seus deuses, e a referência à Árvore da Vida e ao par Inanna-Gilgamesh, irmãos que se completam, ele porque a ajuda, ela porque reinará agora a seu lado, com as vestes que lhe teceu.
Neste par vemos definidas as suas funções específicas: ele guerreiro, ela tecelã (da vida).
Um estudioso deveria ler a partir deste momento a epopeia de Gilgamesh para entender o seu percurso mítico, e a sua descrição como fundador de cidades - já aqui surge a referência à cidade, Uruk, e aos seus companheiros. Em contraponto temos o Jardim Sagrado de Inanna, uma figuração de um estado anterior da civilização, como o do Éden da Bíblia, um estado em que a agricultura e o trabalho da terra ainda predominam.
Preciosas para o leitor, mais até do que os hinos, que nos capítulos seguintes evoluem para as bodas sagradas de Inanna, o par que a deusa aceita, o que recusa, e a descida ao mundo interior onde a Sabedoria da fertilidade ( material e espiritual) se adquire, - preciosas, dizia eu, são as notas finais de Diane Wolkstein, que situa com grande erudição em contexto arqueológico, mítico e religioso as várias narrativas que são, para um leigo, confusas de entender.
Por outro lado, entre os vários fragmentos recolhidos, alguns evocam directamente imagens e situações que conheceremos da leitura da Bíblia, e do Génesis.
Surge uma macieira a que Inanna se encosta, já depois de ter colocado na cabeça a sua "coroa" de rainha das estepes. Vai em direcção do rebanho e do pastor, encosta-se à macieira, e agora devolvo a palavra ao relator do hino, nas tabuínhas eróticas cujas imagens não poderiam ser nem mais directas nem mais significativas, quanto ao que era, no chamado berço sumério das civilizações, o culto da Grande-Mãe, e seu ritual de cósmico e fértil coito (p.11, Inanna and the God of Wisdom):
She leaned back against the apple tree, her vulva was wondrous
to behold.
Rejoicing at her wondrous vulva, the young woman Inanna applauded
herself.
De notar que até aqui indicada como deusa, se define pela primeira vez como "jovem mulher", regojizando-se do corpo amadurecido que descobre. Fértil, será fertilizada e fertilizará os deuses e o reino a que pertencem.
Antes das núpcias com Dumuzi visitará o Deus da Sabedoria, no reino das águas profundas. E a seguir toda a terra fértil será deles, desde a Suméria à Akádia. Dumuzi assume-se como pastor e como lavrador, domina rebanhos e terra fértil, é o par cósmico, masculino, de uma terra feminina domada:
As the farmer, let him make the fields fertile,
As the shepherd, let him make the sheepfolds multiply,
Under his reign let there be vegetation,
Under his reign let there be rich grain.
E segue o hino numa espécie de nova recitação dos dias da criação, seres vegetais e animais, os da terra e os do céu, de novo as águas que correm, do Tigre e do Eufrates, num cântico de louvor à "Senhora da Vegetação":
May the Lady of Vegetation pile the grain in heaps and mounds.
E acabando:
O my Queen of Heaven and Earth,
Queen of all the universe,
May he (referência a Dumuzi, o esposo) enjoy long days in the sweetness of your holy loins.
E finalmente o que já se espera da decisão cantada em versos anteriores que me dispenso de citar:
He opened wide his arms to the holy priestess of heaven.
Inanna spoke:
My beloved, the delight of my eyes, met me.
We rejoiced together.
He took his pleasure of me.
He brought me into his house.
....
Nas estrofes seguintes, narrando o prazer que ambos oferecem um ao outro (alude-se a cinquenta vezes...) surge de novo a imagem conhecida das macieiras e do jardim em que florescem. Mas no puro prazer, ainda sem pecado nem dôr.
A dôr virá depois, com a descida de Inanna ao Grande mundo Inferior: The Great Below.
Aqui, de portão em portão, até ao sétimo, será despojada de todas as insígnias de realeza que a distinguem, mas não a protegem num mundo que não lhe era destinado e ambicionou conhecer, e por isso será finalmente morta. Na sua ausência, Dumuzi, o consorte, embrenha-se por completo e com grande egoísmo na sua nova posição de rei, até que chega o momento em que, por acordo de Inanna com o mundo inferior, Dumuzi irá substituí-la, sofrendo ele o martírio que se pode dizer dos infernos.
O que leva Inanna a querer descer ao abismo inferior, abandonando " a terra e o céu" , o sagrado ofício de sacerdotiza, o templo de Uruk, e vai apenas levando como protecção a divina coroa, as jóias, as vestes que a cobrem. De tudo, descida a descida, será despojada, porque as leis do mundo inferior não podem ser desobedecidas.
A razão deste impulso que a leva é dita logo na primeira resposta: ia por causa da sua irmã mais velha, Ereshkigal. Esta era a rainha do mundo inferior, e procurar vê-la era um risco sério, ter de morrer, para isso.
O mundo inferior era uma região seca, escura, ignota, e não tinha sido escolhida por esta sua rainha. Aqui o mito reconduz-nos ao seu início: o da árvore Huluppu, que Inanna quer para si, e com a ajuda de Gilgamesh consegue que sejam expulsos os seres que a tinham ocupado: um deles Lilith, que vai "para longe" para uma região obscura e deserta, é a irmã renegada de Inanna, seu negro alter-ego, agora redescoberto. Se a deusa do mundo natural superior é luminosa, a sua contrapartida é esta deusa das trevas, que agora vai conhecer, perdendo a vida. É, na narrativa mítica, a sua contraparte: nenhum laço afectuoso a prende, não há compaixão na sua alma, nada, a não ser um apetite sexual feroz e com a morte no horizonte, depois de ter perdido o marido. O seu reino é da desesperada solidão.
Fica enraivecida ao saber que a sua irmã, deusa fértil, feliz, realizada, ali a quer visitar.
Inanna vai atravessando os sete portões e a cada pergunta que faz obtém como resposta: Quiet, Inanna, the ways of the underworld are perfect.
They may not be questioned.
Até que nua, despojada de tudo o que a distinguia e protegia, entra curvada na sala do trono.:
Ereshkigal rose from her throne.
Inanna started toward the throne.
The Anunna, the judges of the underworld, surrounded her.
They passed judgment against her.
Then Ereshkigal fastened on Inanna the eye of death.
She spoke against her the word of wrath.
She uttered against her the cry of guilt.
She struck her.
Inanna was turned into a corpse,
A piece of rotting meat,
And was hung from a hook on the wall.
Iniciação e morte.
Num ambiente de intensa dramaticidade, que bem evoca uma tragédia grega.
Mas Inanna faz falta, a sua ausência leva a que se implore aos deuses o seu regresso, a todo o custo. É Enki, no seu templo, que corresponde ao apelo, mas terá de ser enviado para o mundo inferior alguém, em seu lugar, para que Inanna seja libertada pelos severos juízes.
Como já disse acima, será Dumuzi a assumir esse destino. Mas partilhado com outra irmã, metade do ano irá ele para o submundo, outra metade irá ela, cujo nome é Geshtinanna e só agora nos surge na narrativa, quando estamos quase a chegar ao fim. Quando esta fôr chamada será ele libertado, e assim por diante.
Inanna entrega Dumuzi "nas mãos do Eterno", e entoa-se um cântico à deusa das trevas, seu outro eu, Ereshkigal:
Holy Ereshkigal! Great is your renown !
Holy Ereshkigal! I sing your praises!
Lilith retoma o seu lugar no panteão das glórias devidas, e pelo meio fica Dumuzi que fora pastor e lavrador muito amado, enquanto Inanna, a Terra-Mãe, precisou dele.
Nota ao Leitor
Aqui apenas faço a recomendação de uma leitura mais, que nos devolve memória, história e curiosidade sobre o que fomos, e por enquanto somos: criaturas em busca do seu destino, nas raízes de uma árvore mal plantada. De que torrente e pela mão de que deusas, Lilith ou Inanna poderemos ser salvos, e preservados na terra?
Sunday, September 24, 2017
Alberto Pimenta, A BALADA DO VELHO MARINHEIRO
Poucos saberão talvez, hoje em dia, desta rara faceta de Alberto Pimenta, poeta, tradutor, grande erudito, vanguardista da Poesia Concreta e Experimental, na senda dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto, no Brasil) e que entre nós, desde o seu tempo juvenil e glorioso do Teatro Clássico, em Coimbra, a dada altura mais conhecido se tornou pelo seu intervencionismo culto, mas sempre militante, nas Performances com que nos mais variados espaços (desde salas pequenas a uma jaula do Jardim Zoológico) nos surpreendia e deleitava!
Destas, o HOMO SAPIENS foi editado em livro, mas outros há, anteriores, e cada vez mais actuais, ainda circulam por aí, aguardam quem sabe uma sessão de leitura seguida, que os jovens, se não forem já dos formatados aguardando lugar nas filas dos Partidos, saberão apreciar tanto quanto nós, os da antiga geração, na altura apreciámos. Refiro-me ao Discurso do Filho da Puta.
Embora eu saiba que num grande poeta o seu passado é presente e futuro, é da sua mais recente edição que pretendo falar, desta belíssima, tão intensa e comovente balada do Velho Marinheiro, de S.T. Coleridge (1772-1834), que Alberto recupera numa tradução como aquelas a que nos habitou, de excelência de domínio da língua na tradução que faz.
Alberto é um erudito, como não tem havido igual nas nossas Academias, mas discreto nas aparições que faz, ao editar o seu trabalho, que pode demorar anos até que surja. A sua Arte é paciente, como se deve, nos grandes autores.
Por isso me debruço sobre esta sua tradução, tão poética quanto o original de que parte, e tão carregada de simbolismo, que vou chamar de alquímico.
Quem me conhece sabe que ao falar de alquimia falo, como Rimbaud, de alquimia do Verbo, de alquimia da Alma.
Muitas das baladas que conhecemos, desde as de Goethe, por exemplo, nos ensinaram que há nelas um tom, um destino que é trágico e respeita à condição humana.
A Balada do Velho Marinheiro não foge à tradição. Dividida em sete partes (seriam os dias da criação? ) conta que um velho marinheiro se cruza com três cavalheiros que iam para uma boda, e fica com um deles, a quem interrompe o caminho, pedindo-lhe que oiça a sua história. A noiva já está a ser anunciada, pela música de um oboé, mas o marinheiro não interrompe o seu contar. O barco em que navegava é levado por uma tempestade em direcção ao pólo sul; daí a pouco se abatem sobre os marinheiros blocos enormes de gelo " Só gelo em todos os lados".
De repente, no meio de tanto "estertor" com uivos já de prenúncio de morte, surge então um albatroz.
A ave é acolhida com um espírito fraterno (cristão) e saudada "em nome de Deus".
Mas na última estrofe eis que surge a traição cruel, feita à ave inocente que lhes trouxera o bom tempo:
Com o arco e uma seta
Eu matei o Albatroz.
Chegamos à Parte II com esta revelação que marcará daqui em diante o curso da narrativa.
A "acção infernal" praticada pelo marinheiro agoirava o pior, para aquela viagem que agora a todos metia medo.
A viagem ia transformar-se, para todos, e não apenas para ele, numa longa e penosa travessia - uma travessia de vida, a expiar os seus pecados. Na última estrofe é descrito o momento em que, em desespero, os marinheiros penduram ao pescoço do velho, "em vez da cruz", o corpo do Albatroz.
Percebemos por aqui a relação do pecador, e do seu pecado, com um Albatroz que é Cristo e é também ao mesmo tempo, o marinheiro que o matou e agora o leva atado...
Na Parte III, descrita a continuação de uma travessia infernal, perigosa, assustadora, e que já nem comporta esperança, surge de súbito uma forma: de um barco e de uma mulher, quase forma apocalíptica:
Então a tripulação é uma Mulher isolada?
É um Espectro de mulher? E há outra além da primeira?
Mas então será a Morte que ela tem por companheira?
....
Ela era a Morte-em-Vida, o Pesadelo sombrio
Que empasta o sangue do homem que ela embebeu do seu frio.
Estamos perante um navio-fantasma, dos muitos que assombraram o imaginário antigo e agora se recupera. A Morte joga aos dados a vida dos marinheiros, ganha a todos, que em breve um a um sucumbirão, e escapa sozinho o Velho.
Na Parte IV, o convidado da boda que o Marinheiro interpelou, interrompendo o seu caminho, já se declara assustado, receando que ele não seja um homem mas sim um espírito renegado.
O Velho continua a descrever o sofrimento que é o seu castigo eterno: sempre vivo, sempre vivo, sem o descanso da morte, que seria o seu perdão.
Mais uma vez é na última estrofe que se dá um passo em frente, fazendo avançar o mistério do todo da narrativa:
Nesse instante eu orei:
Como se fosse de chumbo,
Despendeu-se o Albatroz
E sumiu-se no profundo.
A Parte V descreve como ao Velho Marinheiro é concedido de novo o sono, a benção do sono, que é prenúncio do perdão.
Parecia ter acontecido um milagre: o que sonhara tornava-se realidade: chuva, que o corpo sedento bebia, sopro de um vento que não atordoava, estrelas a dançar no meio do céu, e uma grande nuvem negra, que tinha a Lua a seu lado.
Dá-se a transformação dos corpos caídos, no navio. Erguiam-se, sem falar, "tripulação fantasma que ali estava reunida". Mas tranquilizando o receio do convidado que ainda ali estava a ouvi-lo, explica então o Marinheiro:
...
Não Convidado, descansa,
Que as almas dos condenados
Não tornaram aos seus corpos,
Mas sim uma legião de espíritos abençoados.
Assim, rodeado de sons melodiosos, voga o navio sozinho, levado por misteriosa corrente.
Ate´que tudo se altera: "o sol a prumo no mastro tinha pregado o navio/ À sua extensão de mar".
O balançar torna-se ameaçador, o Marinheiro desmaia e ouve, quando volta a si, que uma voz o acusa de ter morto o Albatroz. Mas também lembra que esse velho pelo seu crime nefando já muito tinha penado.
E chegamos à Parte VI, em que o poemas se desdobra num diálogo a duas vozes. A primeira pergunta o que acontece com o mar, o que é que move o navio; a segunda explica que aquele mar não se move, está fixo perante a Lua, e deixa uma observação misteriosa: " É a busca de saber qual o rumo a seguir" / Pois é ela que o guia, ou suave ou tenebrosa".
Ficaremos a saber que o Marinheiro é assim conduzido à sua terra natal, tem no seu percurso lunar a visão dos espíritos angélicos que abandonam os corpos dos mortos, revestidos das suas vestes de luz, conjunto de Serafins - como nas visões que os Evangelhos relatam.
A última estrofe desta sexta parte descreve a chegada do santo Ermitão, que irá absolver o Marinheiro do pecado cometido, lavando-o do sangue do Albatroz.
E na Parte VII acompanharemos o Ermitão do bosque, no erguer do seu canto, nas suas orações do meio-dia e da tardinha, no convívio com outros marinheiros.
Afundado com estertor o navio onde estava ainda o Marinheiro, este implora ajuda, ser ouvido em confissão.
O santo homem, benzendo-se, como se ali se tivesse incarnado o diabo, pede ao Marinheiro que lhe diga quem é, e este conta então a sua história, enquanto o seu corpo se revolve numa "agonia infinda" que por fim o liberta de si mesmo, e da memória terrível.
Mas...tem um preço.
Esta agonia retorna
Desde então a hora incerta:
E antes de a história contada abrasa-me o coração
E só depois me liberta.
Vou errante como a noite, errante de terra em terra.
Tenho este dom de contar.
O rosto me dá a saber
O homem que devo escolher
Para lhe esta história ensinar.
Estes aparentes pequenos detalhes são talvez o fio que procuramos para entender melhor o significado desta narrativa que nos prende, pelo ritmo do verso, mas sobretudo ( para lá das pinceladas intensas da descrição de paisagens ora sombrias ora por vezes excessivas de tanta luz, a luz da Razão que ofusca ) neste caso, dizia eu, a imperiosa necessidade de contar uma história que contém um ensinamento, e a quem a oiça permite uma iniciação: num outro tempo, num outro espaço; despido do real (que seria a boda a que iria assistir como convidado) ascende o ouvinte a uma esfera de espiritualidade revelada no dito do Marinheiro, Velho e iniciador.
Uma voz imperiosa, que força o dizer, para que de novo se possa uma e outra vez, ser redimido.
Há uma lição no fim: a do amor universal, pelas criaturas que povoam o universo criado. E quanto aos homens, a lição é também de amor que se partilha desde o Santo ao Pecador:
...
Tanto os seres das alturas como os ínfimos da lama,
Que Deus que nos ama a nós
Todos fez e todos ama.
Esta é a lição do texto, como se de um sermão se tratasse. Mas lendo com mais cuidado, repare-se: foi melhor ficar ali, naquela companhia, do que ir participar na boda que tinha lugar na Igreja.
O que a balada sublinha é que importa mais a companhia do que o cumprir um ritual. Rezar é uma forma de amar, e só aprendeu a amar quem aprendeu que amar é amar a todos (ama o próximo como a ti mesmo). Do maior ao mais ínfimo dos seres existentes.
O Velho é um Velho do mar: a sua vida é errante, tem uma lição a propagar.
Haverá qui alusão ao Judeu Errante, ao Judas que matou Cristo, pois que o marcou para matar?
O vasto mar é a vida, o vasto mar é a morte, o navio o seu inferno, o seu eterno penar.
Podia trazer à nossa reflexão o Bateau Ivre, de Rimbaud, e a explosão do seu grito: ô que ma quille éclate, ô que j 'aille à la mer! Mas Rimbaud não procurava a redenção, e sim o aniquilamento brutal.
Quanto a Baudelaire, de que modo tratou ele a figuração poética do albatroz de asas largas, de vôo alto, mas que uma vez pousado ou caído no convés de algum barco mais parecia um tosco e diminuído animal do que uma ave de grande beleza e nobre porte?
O albatroz de Baudelaire é a figuração do Poeta: o seu vôo livre nos céus permite o Dizer perfeito, expressa o Verbo necessário. Mas caído nas tábuas de um quotidiano real, puxa a troça, a indiferença, sublinha-se a imperfeição das asas grandes demais para o que humano olhar suporta...
O Poeta assemelha-se ao príncipe do ar
Que busca a tempestade e troça do arqueiro;
Exilado no solo no meio dos apupos
As asas de gigante impedem-no de andar
Mas em Coleridge a questão é mais ética do que poética: o Albatroz é morto por uma seta que o apanha, desprevenido, no ar. Crucificou-se um inocente amável, cuja visita alegrava o navio. É como que o pecado mortal na viagem da vida que se iniciará...
Cruzam-se nesta balada três motivos:
o do pecado contra um ser inocente, natural
o do navio fantasma, cuja raiz se encontra na história do Holandês Voador
o do Judeu errante
e o do Poeta que só nas alturas pode sobreviver com a sua arte
Em Coleridge a análise conduz mais ao motivo do Holandês Voador, como podemos ler em Elisabeth Frenzel, no seu Stoffe der Welt Literatur (Kroener, 1988). A lenda surge na primeira metade do século XIX, com uma edição de 1821 em que o capitão holandês de um navio é descrito como tendo feito pacto com o diabo, para conseguir vencer o Cabo das Tormentas ( depois Cabo da Boa Esperança) . Quando o seu fantasma aparece no mar é sinal de maldição.
Um outro relato, de 1841, de Barend Fokke, que se baseia no anterior, descreve o capitão como tendo feito ainda em terra um pacto com o diabo, o que faz dele uma espécie de emanação das forças destruidoras do Mal. Quando um dia não regressa de viagem, logo se conclui que devido ao pacto feito, nunca mais se libertará do eterno castigo e maldição que o ligam à travessia do Cabo, não podendo voltar a atracar seu barco em nenhum porto de abrigo. Transformou-se em alma errante.
Elisabeth Frenzel, nesta sua linha de investigação refere ainda outra obra, de 1832, de A. Jal, uma edição bretã (quem sabe a mais interessante, para os futuros estudiosos) em que surgem motivos misturados: o do capitão desalmado que, apesar dos pedidos da tripulação, os obriga a a atravessar o Cabo, e deita ao mar os que não obedeciam. Surge então das nuvens uma forma sobrenatural que o amaldiçoa de modo a que só venha a navegar em tormentas, afligindo com grandes males todos os navegantes.
Ora bem, nota a autora, a maldição e o terror causado pela travessia do Cabo da Boa Esperança, já tinha uma história antiga: encontra-se no relato da descoberta, de 1497, de Gaspar Correia (Lendas da Índia) em que se conta como Vasco da Gama, o nosso herói dos Lusíadas, contra a vontade da sua tripulação força a travessai do Cabo, ameaçando de morte quem lhe não obedecesse. Manda prender o timoneiro, deita ao mar as cartas de navegação, e declara que é agora Deus quem será o timoneiro.
A lenda fará desta narrativa a matriz da lenda do pacto maléfico, pois só um pacto assim poderia ter permitido o sucesso que Camões glorifica nos versos da epopeia dos Lusíadas (em 1572): do Cabo tenebroso ergue-se o espírito que ameaça com vinganças terríveis, e na forte personagem de Gama se esboça já aquele que virá a ser o Holandês Voador futuro.
O Romantismo, dado ao culto de lendas e fantasmagorias, depressa se apropria desta matérias, de uma memória de terrores que seduzem, envolvendo, conforme os casos, a questão do Bem e do Mal (do pecado, da ambição, do pacto, e da redenção, nem sempre possível, mas que no Fausto II de Goethe, por exemplo, é concedida, e aqui se abrem novo tópicos de discussão) .
Assim veremos em Coleridge, na sua visionária Balada do Velho Marinheiro (1798) a renovação e recuperação destes motivos, alargados por obras como o romance de Hauffs, de gosto orientalizante , Das Gespensterschiff (1825) e o de Marryat , The Phantom Ship (1839).
Omito, porque vai longo este excurso, a ópera de Wagner (de 1843), a partir de um rascunho de Heine, pois entram aqui um factor novo, o do amor, e do sacrifício que o amor exige para redenção do amado.
Em Coleridge, há de facto uma Boda que vai ter lugar, mas o Velho Marinheiro, que interpela o convidado, faz-lhe ver com detalhe, no decurso da narrativa, que melhor do que participar num ritual é rezar a um Deus que perdoe, uma vez confessado o pecado...
Mas Coleridge não prescinde da áurea de mistério: o Marinheiro tem ainda, e nunca me momento certo, a necessidade imperiosa de contar a sua história: se não conta, rebenta. E por aqui se levanta a questão do dizer do poeta, essa pulsão tão forte, que o leva pelos caminhos do mundo, o seu e o dos outros, que interpela, interrompe, e faz comunicar com outra esfera. Um Além feito de sombra e luz, as energias da Alma.
Matar o Albatroz foi o pecado original, gesto que nasce dum impulso gratuito.
Terá perdão, a Alma?
ao Alberto Pimenta, de coração sempre aberto, dadivoso, nas Obras que dá a ler.
(Lisboa 2017)
Muitas das baladas que conhecemos, desde as de Goethe, por exemplo, nos ensinaram que há nelas um tom, um destino que é trágico e respeita à condição humana.
A Balada do Velho Marinheiro não foge à tradição. Dividida em sete partes (seriam os dias da criação? ) conta que um velho marinheiro se cruza com três cavalheiros que iam para uma boda, e fica com um deles, a quem interrompe o caminho, pedindo-lhe que oiça a sua história. A noiva já está a ser anunciada, pela música de um oboé, mas o marinheiro não interrompe o seu contar. O barco em que navegava é levado por uma tempestade em direcção ao pólo sul; daí a pouco se abatem sobre os marinheiros blocos enormes de gelo " Só gelo em todos os lados".
De repente, no meio de tanto "estertor" com uivos já de prenúncio de morte, surge então um albatroz.
A ave é acolhida com um espírito fraterno (cristão) e saudada "em nome de Deus".
Mas na última estrofe eis que surge a traição cruel, feita à ave inocente que lhes trouxera o bom tempo:
Com o arco e uma seta
Eu matei o Albatroz.
Chegamos à Parte II com esta revelação que marcará daqui em diante o curso da narrativa.
A "acção infernal" praticada pelo marinheiro agoirava o pior, para aquela viagem que agora a todos metia medo.
A viagem ia transformar-se, para todos, e não apenas para ele, numa longa e penosa travessia - uma travessia de vida, a expiar os seus pecados. Na última estrofe é descrito o momento em que, em desespero, os marinheiros penduram ao pescoço do velho, "em vez da cruz", o corpo do Albatroz.
Percebemos por aqui a relação do pecador, e do seu pecado, com um Albatroz que é Cristo e é também ao mesmo tempo, o marinheiro que o matou e agora o leva atado...
Na Parte III, descrita a continuação de uma travessia infernal, perigosa, assustadora, e que já nem comporta esperança, surge de súbito uma forma: de um barco e de uma mulher, quase forma apocalíptica:
Então a tripulação é uma Mulher isolada?
É um Espectro de mulher? E há outra além da primeira?
Mas então será a Morte que ela tem por companheira?
....
Ela era a Morte-em-Vida, o Pesadelo sombrio
Que empasta o sangue do homem que ela embebeu do seu frio.
Estamos perante um navio-fantasma, dos muitos que assombraram o imaginário antigo e agora se recupera. A Morte joga aos dados a vida dos marinheiros, ganha a todos, que em breve um a um sucumbirão, e escapa sozinho o Velho.
Na Parte IV, o convidado da boda que o Marinheiro interpelou, interrompendo o seu caminho, já se declara assustado, receando que ele não seja um homem mas sim um espírito renegado.
O Velho continua a descrever o sofrimento que é o seu castigo eterno: sempre vivo, sempre vivo, sem o descanso da morte, que seria o seu perdão.
Mais uma vez é na última estrofe que se dá um passo em frente, fazendo avançar o mistério do todo da narrativa:
Nesse instante eu orei:
Como se fosse de chumbo,
Despendeu-se o Albatroz
E sumiu-se no profundo.
A Parte V descreve como ao Velho Marinheiro é concedido de novo o sono, a benção do sono, que é prenúncio do perdão.
Parecia ter acontecido um milagre: o que sonhara tornava-se realidade: chuva, que o corpo sedento bebia, sopro de um vento que não atordoava, estrelas a dançar no meio do céu, e uma grande nuvem negra, que tinha a Lua a seu lado.
Dá-se a transformação dos corpos caídos, no navio. Erguiam-se, sem falar, "tripulação fantasma que ali estava reunida". Mas tranquilizando o receio do convidado que ainda ali estava a ouvi-lo, explica então o Marinheiro:
...
Não Convidado, descansa,
Que as almas dos condenados
Não tornaram aos seus corpos,
Mas sim uma legião de espíritos abençoados.
Assim, rodeado de sons melodiosos, voga o navio sozinho, levado por misteriosa corrente.
Ate´que tudo se altera: "o sol a prumo no mastro tinha pregado o navio/ À sua extensão de mar".
O balançar torna-se ameaçador, o Marinheiro desmaia e ouve, quando volta a si, que uma voz o acusa de ter morto o Albatroz. Mas também lembra que esse velho pelo seu crime nefando já muito tinha penado.
E chegamos à Parte VI, em que o poemas se desdobra num diálogo a duas vozes. A primeira pergunta o que acontece com o mar, o que é que move o navio; a segunda explica que aquele mar não se move, está fixo perante a Lua, e deixa uma observação misteriosa: " É a busca de saber qual o rumo a seguir" / Pois é ela que o guia, ou suave ou tenebrosa".
Ficaremos a saber que o Marinheiro é assim conduzido à sua terra natal, tem no seu percurso lunar a visão dos espíritos angélicos que abandonam os corpos dos mortos, revestidos das suas vestes de luz, conjunto de Serafins - como nas visões que os Evangelhos relatam.
A última estrofe desta sexta parte descreve a chegada do santo Ermitão, que irá absolver o Marinheiro do pecado cometido, lavando-o do sangue do Albatroz.
E na Parte VII acompanharemos o Ermitão do bosque, no erguer do seu canto, nas suas orações do meio-dia e da tardinha, no convívio com outros marinheiros.
Afundado com estertor o navio onde estava ainda o Marinheiro, este implora ajuda, ser ouvido em confissão.
O santo homem, benzendo-se, como se ali se tivesse incarnado o diabo, pede ao Marinheiro que lhe diga quem é, e este conta então a sua história, enquanto o seu corpo se revolve numa "agonia infinda" que por fim o liberta de si mesmo, e da memória terrível.
Mas...tem um preço.
Esta agonia retorna
Desde então a hora incerta:
E antes de a história contada abrasa-me o coração
E só depois me liberta.
Vou errante como a noite, errante de terra em terra.
Tenho este dom de contar.
O rosto me dá a saber
O homem que devo escolher
Para lhe esta história ensinar.
Estes aparentes pequenos detalhes são talvez o fio que procuramos para entender melhor o significado desta narrativa que nos prende, pelo ritmo do verso, mas sobretudo ( para lá das pinceladas intensas da descrição de paisagens ora sombrias ora por vezes excessivas de tanta luz, a luz da Razão que ofusca ) neste caso, dizia eu, a imperiosa necessidade de contar uma história que contém um ensinamento, e a quem a oiça permite uma iniciação: num outro tempo, num outro espaço; despido do real (que seria a boda a que iria assistir como convidado) ascende o ouvinte a uma esfera de espiritualidade revelada no dito do Marinheiro, Velho e iniciador.
Uma voz imperiosa, que força o dizer, para que de novo se possa uma e outra vez, ser redimido.
Há uma lição no fim: a do amor universal, pelas criaturas que povoam o universo criado. E quanto aos homens, a lição é também de amor que se partilha desde o Santo ao Pecador:
...
Tanto os seres das alturas como os ínfimos da lama,
Que Deus que nos ama a nós
Todos fez e todos ama.
Esta é a lição do texto, como se de um sermão se tratasse. Mas lendo com mais cuidado, repare-se: foi melhor ficar ali, naquela companhia, do que ir participar na boda que tinha lugar na Igreja.
O que a balada sublinha é que importa mais a companhia do que o cumprir um ritual. Rezar é uma forma de amar, e só aprendeu a amar quem aprendeu que amar é amar a todos (ama o próximo como a ti mesmo). Do maior ao mais ínfimo dos seres existentes.
O Velho é um Velho do mar: a sua vida é errante, tem uma lição a propagar.
Haverá qui alusão ao Judeu Errante, ao Judas que matou Cristo, pois que o marcou para matar?
O vasto mar é a vida, o vasto mar é a morte, o navio o seu inferno, o seu eterno penar.
Podia trazer à nossa reflexão o Bateau Ivre, de Rimbaud, e a explosão do seu grito: ô que ma quille éclate, ô que j 'aille à la mer! Mas Rimbaud não procurava a redenção, e sim o aniquilamento brutal.
Quanto a Baudelaire, de que modo tratou ele a figuração poética do albatroz de asas largas, de vôo alto, mas que uma vez pousado ou caído no convés de algum barco mais parecia um tosco e diminuído animal do que uma ave de grande beleza e nobre porte?
O albatroz de Baudelaire é a figuração do Poeta: o seu vôo livre nos céus permite o Dizer perfeito, expressa o Verbo necessário. Mas caído nas tábuas de um quotidiano real, puxa a troça, a indiferença, sublinha-se a imperfeição das asas grandes demais para o que humano olhar suporta...
O Poeta assemelha-se ao príncipe do ar
Que busca a tempestade e troça do arqueiro;
Exilado no solo no meio dos apupos
As asas de gigante impedem-no de andar
Mas em Coleridge a questão é mais ética do que poética: o Albatroz é morto por uma seta que o apanha, desprevenido, no ar. Crucificou-se um inocente amável, cuja visita alegrava o navio. É como que o pecado mortal na viagem da vida que se iniciará...
Cruzam-se nesta balada três motivos:
o do pecado contra um ser inocente, natural
o do navio fantasma, cuja raiz se encontra na história do Holandês Voador
o do Judeu errante
e o do Poeta que só nas alturas pode sobreviver com a sua arte
Em Coleridge a análise conduz mais ao motivo do Holandês Voador, como podemos ler em Elisabeth Frenzel, no seu Stoffe der Welt Literatur (Kroener, 1988). A lenda surge na primeira metade do século XIX, com uma edição de 1821 em que o capitão holandês de um navio é descrito como tendo feito pacto com o diabo, para conseguir vencer o Cabo das Tormentas ( depois Cabo da Boa Esperança) . Quando o seu fantasma aparece no mar é sinal de maldição.
Um outro relato, de 1841, de Barend Fokke, que se baseia no anterior, descreve o capitão como tendo feito ainda em terra um pacto com o diabo, o que faz dele uma espécie de emanação das forças destruidoras do Mal. Quando um dia não regressa de viagem, logo se conclui que devido ao pacto feito, nunca mais se libertará do eterno castigo e maldição que o ligam à travessia do Cabo, não podendo voltar a atracar seu barco em nenhum porto de abrigo. Transformou-se em alma errante.
Elisabeth Frenzel, nesta sua linha de investigação refere ainda outra obra, de 1832, de A. Jal, uma edição bretã (quem sabe a mais interessante, para os futuros estudiosos) em que surgem motivos misturados: o do capitão desalmado que, apesar dos pedidos da tripulação, os obriga a a atravessar o Cabo, e deita ao mar os que não obedeciam. Surge então das nuvens uma forma sobrenatural que o amaldiçoa de modo a que só venha a navegar em tormentas, afligindo com grandes males todos os navegantes.
Ora bem, nota a autora, a maldição e o terror causado pela travessia do Cabo da Boa Esperança, já tinha uma história antiga: encontra-se no relato da descoberta, de 1497, de Gaspar Correia (Lendas da Índia) em que se conta como Vasco da Gama, o nosso herói dos Lusíadas, contra a vontade da sua tripulação força a travessai do Cabo, ameaçando de morte quem lhe não obedecesse. Manda prender o timoneiro, deita ao mar as cartas de navegação, e declara que é agora Deus quem será o timoneiro.
A lenda fará desta narrativa a matriz da lenda do pacto maléfico, pois só um pacto assim poderia ter permitido o sucesso que Camões glorifica nos versos da epopeia dos Lusíadas (em 1572): do Cabo tenebroso ergue-se o espírito que ameaça com vinganças terríveis, e na forte personagem de Gama se esboça já aquele que virá a ser o Holandês Voador futuro.
O Romantismo, dado ao culto de lendas e fantasmagorias, depressa se apropria desta matérias, de uma memória de terrores que seduzem, envolvendo, conforme os casos, a questão do Bem e do Mal (do pecado, da ambição, do pacto, e da redenção, nem sempre possível, mas que no Fausto II de Goethe, por exemplo, é concedida, e aqui se abrem novo tópicos de discussão) .
Assim veremos em Coleridge, na sua visionária Balada do Velho Marinheiro (1798) a renovação e recuperação destes motivos, alargados por obras como o romance de Hauffs, de gosto orientalizante , Das Gespensterschiff (1825) e o de Marryat , The Phantom Ship (1839).
Omito, porque vai longo este excurso, a ópera de Wagner (de 1843), a partir de um rascunho de Heine, pois entram aqui um factor novo, o do amor, e do sacrifício que o amor exige para redenção do amado.
Em Coleridge, há de facto uma Boda que vai ter lugar, mas o Velho Marinheiro, que interpela o convidado, faz-lhe ver com detalhe, no decurso da narrativa, que melhor do que participar num ritual é rezar a um Deus que perdoe, uma vez confessado o pecado...
Mas Coleridge não prescinde da áurea de mistério: o Marinheiro tem ainda, e nunca me momento certo, a necessidade imperiosa de contar a sua história: se não conta, rebenta. E por aqui se levanta a questão do dizer do poeta, essa pulsão tão forte, que o leva pelos caminhos do mundo, o seu e o dos outros, que interpela, interrompe, e faz comunicar com outra esfera. Um Além feito de sombra e luz, as energias da Alma.
Matar o Albatroz foi o pecado original, gesto que nasce dum impulso gratuito.
Terá perdão, a Alma?
ao Alberto Pimenta, de coração sempre aberto, dadivoso, nas Obras que dá a ler.
(Lisboa 2017)
Wednesday, September 13, 2017
Flower and Song
Flower and Song - Flôr e Canto
É uma selecção de poemas aztecas com tradução e prefácio de Edward Kissam e Michael Schmidt (Anvil Press Poetry, 1977).Tinha este livro na estante, ao lado do Popol Vuh, o livro fundador da civilização dos Maias, e já um pouco esquecido por outras leituras que se foram impondo.
Mas o poema do Discurso do Cacto levou-me de novo - os livros são assim, ora se deixam esquecer ora de súbito se impõem - a esta imagem, também ela fundadora, da flôr e do canto, que figura o nascer da poesia, do poema inicial e iniciático, como no caso do Orfeu ocidental, com o seu canto, a sua flauta ou a sua lira.
No poema n.49 (p.62), encontro a Canção de Mimixcoa, que completa de forma inspirada, numa civilização ainda misteriosa e tão distante da nossa (em parte fomos nós, no século XV, os culpados da sua destruição), a visão que temos da origem do Verbo criador, do poema, da poesia que depois se expande em múltiplas florações....
Eis o poema, que traduzo aqui do inglês:
Vim das sete cavernas,
o primeiro lugar em que reinava a magia.
As minhas pègadas é daí que conduzem
ao lugar onde as tribus começaram.
Nasci. Já nasci.
Nasci com as minhas setas de cacto
do cacto que nos embebeda.
Nasci. Surgi como canção
com o meu tambor de rede já pronto.
Nasci com o meu tambor.
Nasci com a minha rede.
Seguro-o com uma só mão, com uma
só mão o seguro, com a minha mão.
Oh, com a sua mão
ele encantará.
É uma selecção de poemas aztecas com tradução e prefácio de Edward Kissam e Michael Schmidt (Anvil Press Poetry, 1977).Tinha este livro na estante, ao lado do Popol Vuh, o livro fundador da civilização dos Maias, e já um pouco esquecido por outras leituras que se foram impondo.
Mas o poema do Discurso do Cacto levou-me de novo - os livros são assim, ora se deixam esquecer ora de súbito se impõem - a esta imagem, também ela fundadora, da flôr e do canto, que figura o nascer da poesia, do poema inicial e iniciático, como no caso do Orfeu ocidental, com o seu canto, a sua flauta ou a sua lira.
No poema n.49 (p.62), encontro a Canção de Mimixcoa, que completa de forma inspirada, numa civilização ainda misteriosa e tão distante da nossa (em parte fomos nós, no século XV, os culpados da sua destruição), a visão que temos da origem do Verbo criador, do poema, da poesia que depois se expande em múltiplas florações....
Eis o poema, que traduzo aqui do inglês:
Vim das sete cavernas,
o primeiro lugar em que reinava a magia.
As minhas pègadas é daí que conduzem
ao lugar onde as tribus começaram.
Nasci. Já nasci.
Nasci com as minhas setas de cacto
do cacto que nos embebeda.
Nasci. Surgi como canção
com o meu tambor de rede já pronto.
Nasci com o meu tambor.
Nasci com a minha rede.
Seguro-o com uma só mão, com uma
só mão o seguro, com a minha mão.
Oh, com a sua mão
ele encantará.
Thursday, August 17, 2017
O TEU DISCURSO
Houve um tempo em que os editores, além de publicar livros, preparavam, em certas ocasiões, plaquettes, como esta intitulada ALGOL em que pediam aos poetas que escolhessem treze inéditos, como foi o caso, para uma tiragem numerada especial.
Arrumando papéis encontrei uma dessas plaquettes, de 1978, com um desenho do Tóssan, e treze poemas lá dentro de que escolhi um, para um amigo.
Foi inspirado no desenho de um cacto da Lourdes de Castro, com a sua flôr única, que ofereci um dia ao meu filho Miguel. É ele que tem o quadro, em casa, eu tenho o poema aqui:
O Teu Discurso
O que dirias
perante a flôr do cacto japonês?
Que é flôr
e que o ser flôr te perturba
e mais ainda
só florescer uma vez
Enviei o poema a um amigo que já me tinha dito que não era leitor de poesia. Não sei se fiz bem. Sinto que tenho de explicar:
Foi da imagem do quadro que o poema surgiu, como interrogação, precisamente para alguém, não de hoje, mas desses anos antigos em que também um amigo não lia poesia. E julgo que até hoje não terá lido o poema.
O poema, se não fosse ampliado em vários versos, podia ser um condensado Haiku:
O que dirias
perante a flôr do cacto japonês?
Que é flôr e que o ser flôr te perturba
e mais ainda só florescer uma vez
Aqui, como no quadro, toda a reacção se concentra na imagem da flôr, que só floresce uma vez.
A sua beleza reside nessa estranha qualidade, de ser irrepetível o seu florescimento. Flôr de tão grande efemeridade que me leva até ao ideal da Flôr Azul, de Novalis, da busca sem fim a que se entrega, como quem se entrega a um grande amor, impossível.
Revela então algum segredo de amor, este pequeno poema? Por que razão a flôr referida perturba? Porque a emoção que desperta, ao ser contemplada, é próxima de alguma evocação amorosa? Na pergunta inicial : " o que dirias" deixa-se adivinhar que o alguém, o outro é uma presença-ausente.
Presença na evocação, ausência na realidade, já que a resposta é imaginada por quem pergunta, e não por quem poderia ter respondido, se ali estivesse presente, com o seu "discurso".
De Novalis, no século XVIII, com a sua flôr azul, uma utopia romântica de um Éden nunca encontrável, podíamos recuar até aos belos versos da Princesa Shikishi, do século XII, no seu Colar de Contas (String of Beads na tradução inglesa). É uma bela colecção de melancólicas reflexões que atravessam as estações, da Primavera e Verão ao Outono e Inverno, como mandavam as regras da composição poética, nelas surgindo ora flores, anónimas, ora o florescer das cerejas, das ameixas e do perfume que ficava no ar, durante as noites de lágrimas e de insónias. Em todos os versos a marca da saudade, da ausência:
" Quem dera que houvesse outros meios de consolação além de flores: friamente
caem, friamente observo" ( p.35).
Abrindo o Dicionário de Símbolos da Robert Laffont, que uso desde que em Paris, em 1971 um erudito junguiano mo aconselhou, vejo que na entrada de Fleur há várias indicações para ver outras, como crisântemo, iris, lis, lotus, orquídea, rosa, girassol.
Cada uma com o seu simbolismo próprio, arcaico, ligado a antigas culturas e civilizações.
Pela sua forma em todas elas o que se acentua é o princípio passivo, o feminino, que o cálice da flôr sugere, como uma taça (mas não chegarei por aqui à taça do Graal, seria demasiado longo o excurso), um receptáculo da actividade celeste do orvalho, ou da chuva. Na flôr se reúnem os dois elementos da terra e da água, e no redondo do cálice a fecundidade que propiciam.
São João da Cruz vê na flôr a sublimidade do Espírito, já Novalis procurava um estado de primordial e perpétua pureza da infância (que depois se perdia).
Para ficarmos mais perto da bela Shikishi, prefiro, neste caso do cacto, buscar antes o simbolismo taoísta da Flôr de Ouro, de Lu Tsou, tratado chinês de alquimia em que se descrevem as fases, ou os caminhos, para obter um mesmo estado de sublimação espiritual, que a imagem do florir único, em momento único também, representa: o florescer é resultado de uma alquimia interior, união da essência (tsing) e do sopro (k'i), dos elementos água e fogo. A flôr torna-se assim uma espécie de Elixir de Vida, o seu florescer o regresso ao centro, à unidade, à energia primordial.
Já nas culturas dos Mayas e dos Aztecas, para além de se representarem nas flores o ornamento, a arte, o prazer dos deuses e dos homens, uma outra função lhes era atribuída: a descrição das fases da história cosmogónica, e dos acontecimentos de vida, ordenação dos tempos, (os meses, as estações) renascimento, morte, descritos nos hieróglifos.
Mas assim já estamos a ficar longe do nosso poema e do quadro que levou, na contemplação, à escrita do momento.
Um poema é o que é: uma deriva, consciente ou inconsciente, pelo subterrâneo das palavras, também elas florescendo uma vez.
Arrumando papéis encontrei uma dessas plaquettes, de 1978, com um desenho do Tóssan, e treze poemas lá dentro de que escolhi um, para um amigo.
Foi inspirado no desenho de um cacto da Lourdes de Castro, com a sua flôr única, que ofereci um dia ao meu filho Miguel. É ele que tem o quadro, em casa, eu tenho o poema aqui:
O Teu Discurso
O que dirias
perante a flôr do cacto japonês?
Que é flôr
e que o ser flôr te perturba
e mais ainda
só florescer uma vez
Enviei o poema a um amigo que já me tinha dito que não era leitor de poesia. Não sei se fiz bem. Sinto que tenho de explicar:
Foi da imagem do quadro que o poema surgiu, como interrogação, precisamente para alguém, não de hoje, mas desses anos antigos em que também um amigo não lia poesia. E julgo que até hoje não terá lido o poema.
O poema, se não fosse ampliado em vários versos, podia ser um condensado Haiku:
O que dirias
perante a flôr do cacto japonês?
Que é flôr e que o ser flôr te perturba
e mais ainda só florescer uma vez
Aqui, como no quadro, toda a reacção se concentra na imagem da flôr, que só floresce uma vez.
A sua beleza reside nessa estranha qualidade, de ser irrepetível o seu florescimento. Flôr de tão grande efemeridade que me leva até ao ideal da Flôr Azul, de Novalis, da busca sem fim a que se entrega, como quem se entrega a um grande amor, impossível.
Revela então algum segredo de amor, este pequeno poema? Por que razão a flôr referida perturba? Porque a emoção que desperta, ao ser contemplada, é próxima de alguma evocação amorosa? Na pergunta inicial : " o que dirias" deixa-se adivinhar que o alguém, o outro é uma presença-ausente.
Presença na evocação, ausência na realidade, já que a resposta é imaginada por quem pergunta, e não por quem poderia ter respondido, se ali estivesse presente, com o seu "discurso".
De Novalis, no século XVIII, com a sua flôr azul, uma utopia romântica de um Éden nunca encontrável, podíamos recuar até aos belos versos da Princesa Shikishi, do século XII, no seu Colar de Contas (String of Beads na tradução inglesa). É uma bela colecção de melancólicas reflexões que atravessam as estações, da Primavera e Verão ao Outono e Inverno, como mandavam as regras da composição poética, nelas surgindo ora flores, anónimas, ora o florescer das cerejas, das ameixas e do perfume que ficava no ar, durante as noites de lágrimas e de insónias. Em todos os versos a marca da saudade, da ausência:
" Quem dera que houvesse outros meios de consolação além de flores: friamente
caem, friamente observo" ( p.35).
Abrindo o Dicionário de Símbolos da Robert Laffont, que uso desde que em Paris, em 1971 um erudito junguiano mo aconselhou, vejo que na entrada de Fleur há várias indicações para ver outras, como crisântemo, iris, lis, lotus, orquídea, rosa, girassol.
Cada uma com o seu simbolismo próprio, arcaico, ligado a antigas culturas e civilizações.
Pela sua forma em todas elas o que se acentua é o princípio passivo, o feminino, que o cálice da flôr sugere, como uma taça (mas não chegarei por aqui à taça do Graal, seria demasiado longo o excurso), um receptáculo da actividade celeste do orvalho, ou da chuva. Na flôr se reúnem os dois elementos da terra e da água, e no redondo do cálice a fecundidade que propiciam.
São João da Cruz vê na flôr a sublimidade do Espírito, já Novalis procurava um estado de primordial e perpétua pureza da infância (que depois se perdia).
Para ficarmos mais perto da bela Shikishi, prefiro, neste caso do cacto, buscar antes o simbolismo taoísta da Flôr de Ouro, de Lu Tsou, tratado chinês de alquimia em que se descrevem as fases, ou os caminhos, para obter um mesmo estado de sublimação espiritual, que a imagem do florir único, em momento único também, representa: o florescer é resultado de uma alquimia interior, união da essência (tsing) e do sopro (k'i), dos elementos água e fogo. A flôr torna-se assim uma espécie de Elixir de Vida, o seu florescer o regresso ao centro, à unidade, à energia primordial.
Já nas culturas dos Mayas e dos Aztecas, para além de se representarem nas flores o ornamento, a arte, o prazer dos deuses e dos homens, uma outra função lhes era atribuída: a descrição das fases da história cosmogónica, e dos acontecimentos de vida, ordenação dos tempos, (os meses, as estações) renascimento, morte, descritos nos hieróglifos.
Mas assim já estamos a ficar longe do nosso poema e do quadro que levou, na contemplação, à escrita do momento.
Um poema é o que é: uma deriva, consciente ou inconsciente, pelo subterrâneo das palavras, também elas florescendo uma vez.
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