Thursday, July 31, 2014



ALBERTO CAEIRO
Ler Caeiro é um desafio maior.

Porque Pessoa lhe deu o título de Mestre. 

Que ele se foi, foi sem querer, pois na verdade não queria ser nada, nem isto nem aquilo, quando muito, se possível, ser, simplesmente.
Viver e deixar viver. Não se demorar a pensar sobre isso.
Na tradução inglesa de Chris Daniels, se nos dermos so trabalho de a retroverter para o original, sobressai a limpidez das ideias, que de tão claras não permitem enganos.
Cito e depois retroverto:
I don't have ambitions or desires.
Being a poet isn't my ambition,
It's my way of being alone.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é minha ambição,
É o meu modo de estar sozinho.

Não fui ver ao original, pode haver aqui e ali, na retroversão que fiz algumas diferenças.
Mas a ideia centralé a seguinte: em primeiro lugar a consciência de que é poeta.
E em segundo lugar o sentimento consciente de que está sozinho.
Ser - poeta
Estar - sozinho.
Em poucas palavras a grande definição da essência e da existência, do SER noTEMPO, que demorou a Heidegger centenas de páginas e nem por isso o tornou mais humano (ao não querer receber Paul Celan, o poeta rescapado de um campo de concentração que o filósofo alemão talvez tivesse ignorado).
Neste primeiro poema de O Guardador de Rebanhos, Caeiro, que afirma logo nunca ter guardado rebanhos, o que oferece à nossa pastorícia mental é o conjunto das suas reflexões, das suas considerações filosofantes, e não ou nunca a imagem de rebanhos de ovelhas em prados felizes e distantes.Caeiro será Mestre?
Se os outros afirmam...
Teoriza a razão de ser poeta, o seu sentido ou ausência dele...e teoriza a Arte da sua escrita, de engenho  tão múltiplo e complexo:
When I sit and write poems
Or, walking along the roads or paths,
I write poems on the paper in my thinking,

Looking after my flock and seeing my ideas,
Or looking after my ideas and seeing my flock,
With a silly smile like when you don't understand what somebody's saying
But you want to pretend you do.

Quando me sento e escrevo poemas
Ou quando, a passear por estradas e caminhos
Escrevo poemas no papel no meu pensamento  
etc.
...
À primeira vista podia ser uma versão Bing, libérrima, e em nada nos espantaria!
Mas não há acasos na escrita de Caeiro , e peço desculpa, antecipando alguma diferença, pois não encontro o original e não posso agora perder mais tempo.
Não tendo cão de pastor, as minha ideias fogem.
Vou seguindo a excelente tradução inglesa.

Caeiro só é Mestre de si mesmo no exercício de ser um outro de Fernando Pessoa - mais um outro, mais velho, mais lido, e que na busca de estilo próprio encontra um espaço ainda vazio, o do campo, das suaves colinas por onde estende um olhar atento: não às ovelhas mas às ideias, sensações mais do que sentimentos que livremente lhe ocorrem.
Os sentimentos - que como bem afirma Ricardo Reis, o excelso grego, são apenas exageros a evitar, serão recuperados em toda a linha e até ao desregramento, por Álvaro de Campos, o despudorado engenheiro, que nunca ergueu casas, mas sim e sempre tempestades dentro de si mesmo.

Quanto ao Mestre de todos - estes e outros tantos, sempre que queria, ou se quisesse,
Fernando, agora, estudado o espólio, sempre designado por " o Ortónimo" quando talvez desejasse antes que o designassem por "o Oculto" continuou a brincadeira que tinha iniciado, na época do sonho de Orpheu, de escrever ora como uns ora como outros, sem esquecer António Mora, o filósofo repetidor, que ficou inédito por mais tempo.
Mesmo assim algumas coisas interessantes, para a teoria poética são de notar: a definição e a prática, ou tentativa dela, do Sensacionismo.
Será altura de referir Mário de Sá-Carneiro, o eterno e saudoso e sempre jovem poeta, que foi cumpridor à risca do programa que o Mestre Pessoa lhe impunha.
Mas ele morria longe, em Paris, enquanto Fernando se estirava pelas ruas de Lisboa, se desassossegava, se aborrecia, aguardando que alguém lhe sacudisse a Alma entorpecida.
Havia de ser o Mago Crowley, que rapidamente o desiludiu. Pessoa não era inglês, faltava-lhe apesar de tudo esse distanciamento necessário. O Mago foi-se, romântico e despenhado na Boca do Inferno, e o Mestre Pessoa cansou-se de brincadeiras.
Matou os alter-egos por volta de 1915 - talvez esta data também faça parte da brincadeira astrológica inicial - um horóscopo para cada um dos  eleitos - mas pouco importa.
Assumiu-se como ele próprio, um eu agora Maior, um Eu a tornar-se centrípeto, pequeno ponto denso que só uma leitura hermética poderia entender.
Agora Mestre, sim, conhecedor do Um e do Todo que só o afundamento total permitiriam.






Tuesday, July 22, 2014



O TAROT DE CROWLEY
(a Leonardo Chioda)

Baralha as cartas
corta
divide
escolhe:
sai a Sacerdotiza
com o seu fio
de luz

não é ponte
não é escada
não ilustra
não ajuda
não conduz

o Mago
ficou perdido
entre as cartas
baralhadas
postas ao lado
de parte
com o seu segredo
esquecido

tanta carta apaixonada....

(Julho 2014)

Monday, July 07, 2014

Um leitor perguntou se eu conhecia uma tradução completa em português da Aurora Consurgens de São Tomás de Aquino.
Não conheço, embora fosse tão interessante tornar acessível a um público mais alargado este belíssimo tratado de transformação espiritual.
É um apócrifo, segundo os eruditos, embora Carl Gustav Jung e Marie-Louise von Franz, que o estudou e traduziu para alemão não recusem a ideia de que possa ter sido, em leito de morte, uma visão de Tomás que ele descreve ao secretário que teria ao seu lado. 
Percebemos, ao ler, que há ali muita inspiração do Cântico dos Cânticos, e do amor, do êxtase que flui no discurso dos amantes.
Mas há algo mais, e aqui entra um entendimento superior da alquimia e da sua Pedra como pedra de perfeição, sendo que essa pedra é figurada como eterno Feminino, a "pedra ao rubro" que nalgumas iluminuras de tratados antigos vemos de facto como "mulher vermelha".
Um vermelho que não é diabólico, mas divinal.
Mas voltando à pergunta do leitor, lembrei-me de que tinha nos meus livros uma tradução castelhana - afinal quem lê português pode ler castelhano sem dificuldade - do Tratado de la Piedra Filosofal Y Tratado sobre el Arte de la Alquimia, de SANTO TOMÁS DE AQUINO, com uma bela introdução de Gustav Meyrink, autor ele mesmo adepto da filosofia oculta em muitas vertentes que expõe na sua obra romanesca (editorial SIRIO, 1987).
Meyrink foi um dos primeiros que li, quando na Alemanha pesquisava outrora materiais herméticos, ( já pouco reeditado numa Alemanha, que detestava à época Jung e todo o pensamento menos ortodoxo, só estando traduzido para francês). 
O segundo Tratado é dedicado "ao irmão Reinaldo" de quem se conta que tomou nota da Aurora Consurgens.

É Grillot de Givry quem em primeiro lugar traduz do latim e faz uma bela edição na ARCHÈ,1979, com prefácio e notas inéditas.
Abrindo o livrinho temo uma reprodução de um quadro que se encontra na Igreja de Notre Dame de Paris, de autoria de Antoine Nicolas Langres (c. 1648) e representando São Tomás na Fonte da Sabedoria.
Claro que o autor/ tradutor aponta que os tratados são ditos como atribuições, pois seria difícil, séculos atrás, tendo até alguns alquimistas sido perseguidos pela Igreja, aceitar sem mais que um santo e filósofo desta envergadura pudesse ter tido interesse em alguma vez estudar e ainda menos escrever sobre matérias "obscuras".Mas aí estão, a Aurora... que terá inspirado Jacob Boehme, o célebre teósofo alemão e estes tratados, cuja indicação deixo, em francês e castelhano, para quem deseje ler.
Acrescento, por ter sido tão importante na minha formação intelectual a obra de Etienne Perrot,
L'AURORE OCCIDENTALE (ed. La Fontaine de Pierre, 1982) que abre com a tradução integral do texto de Tomás de Aquino, seguido da série de seminários que deu em Paris, nos anos 60 e 70, e a que tive a honra de poder assistir (não a todos, mas à maior parte).
Alquimista Junguiano, com ele se pode aprender, nesta como noutras obras, o sentido "amplificado" das matérias alquímicas e simbólicas, bem como o sentido arquetípico dos sonhos recorrentes.
Boa sugestão seria traduzir para a nossa língua os seus títulos mais destacados.